MATERIAIS SOBRE ÁLVARO CUNHAL

Entre o muito que está a ser publicado sobre Álvaro Cunhal, seguem-se algumas referências a materiais com informações novas e inéditas sobre a sua vida, ou interpretações analíticas originais:

Morreu líder do PCP – Últimos anos de Cunhal, Correio da Manhã, 14/5/2005

“Éramos irmãos de combate” (Entrevista com Dias Lourenço), Jornal de Notícias, 14/5/2005

Atirou-se ao mar para fugir de Peniche. Depois, ajudou Cunhal também a escapar da fortaleza. “Na prisão, tínhamos um lema quem puder fugir, fuja, colectivamente, ainda melhor”. Em média, recorda, havia “quatro insucessos por cada êxito, que se pagava sempre muito caro”.

Nove “camaradas” acompanharam Cunhal. Dias Lourenço era o elemento de ligação ao GNR que ajudou na fuga. Foi ele quem acalmou o guarda e antecipou a tentativa de escape quando a escala dos militares foi subitamente alterada. Ainda se lembra que nesse dia, à noite, quando chegou a casa de Pires Jorge, que acolheu o antigo líder, Cunhal brincou com ele, dizendo-lhe que “as coisas tinham corrido mal”. Gelou e apanhou dos maiores sustos da sua vida, até que Cunhal, “com pena”, saiu de dentro do quarto, onde estava escondido.

No 25 de Abril, estava no Hospital Prisional de Caxias. Estava tudo pronto para a segunda fuga. Iria tentar escapar vestido de mulher. Já tinha a roupa, duas perucas para escolher, “seios de algodão e ancas volumosas, até aprendido a andar de saltos altos”, quando chegou a notícia da Revolução.

Há dois meses que não via o “amigo” Cunhal. Independentemente da grande dor pela sua perda, garante que não é a sua morte que irá diminuir ou enfraquecer “a luta”.

“Era daquelas pessoas superiores” diz Manuel Rodrigues de Almeida, Comércio do Porto, 14/6/2005

Do contacto directo com Cunhal, Francisco Madruga recorda um em particular, ia a década de 80 pelos seus meados. “Era um congresso das juventudes comunistas, em Lisboa. Eu encontrava-me a dirigir a sessão de encerramento e perguntei-lhe se era para ler os nomes de todos os nomes dos eleitos para os diversos órgãos. ´Essas coisas preparam-se na véspera!´, respondeu de pronto”. Madruga aprendeu a lição e, claro, leu os nomes todos.

Jorge Sampaio, Álvaro Cunhal, Diário de Notícias, 14/6/2005.

Conheci relativamente bem o Dr. Álvaro Cunhal, pois tive vários contactos e longas reuniões com ele, antes e depois do 25 de Abril. Lembro a reunião, particularmente relevante, que decorreu nos arredores de Paris e que o António Lopes Cardoso organizara. Nela falámos de tudo, da situação nacional e internacional, e também da necessidade de dar à Oposição novas frentes de combate perante um Regime Autoritário que se eternizava. Para situar esta reunião clandestina, devo dizer que quando finalmente chegámos a Paris soubemos, pela imprensa francesa, que Salazar tinha sofrido um grave acidente.

no Diário de Notícias, 14/6/2005

Cunhal, terceiro à esquerda, em foto de grupo na praia de S. Pedro de Muel

Perez Metelo, “Vão-se embora, já saíram todos!” , Diário de Notícias, 14/6/2005

O conflito sino-soviético motivou confrontos políticos e ideológicos tremendos entre comunistas e maoístas dentro do campo antifascista.

Um ódio intenso foi cavando uma rivalidade belicosa entre essas duas correntes políticas. Para os “marxistas-leninistas”, os militantes do PCP eram “cunhalistas” ou “revisionistas”. Aos olhos destes, os membros dos grupos “m-l” não passavam de “esquerdistas, provocadores”.

No Forte de Peniche chegou mesmo a passar-se do insulto verbal a confrontos físicos no início dos anos setenta. Quando lá entrei, em Março de 1974, já os dois colectivos estavam separados em pisos incomunicáveis entre si. Chegada a hora da libertação, os presos do colectivo maoísta recusaram-se a ir saindo sem os camaradas que o general Spínola queria manter encarcerados por terem cometido delitos de sangue. Enquanto decorriam as negociações com advogados para resolver o impasse, os presos do PCP foram saindo ao longo da tarde e da noite de 26 de Abril.

Quando, finalmente, todos os presos maoístas passaram o portão exterior do Forte às três da manhã de dia 27, qual não foi o espanto quando ouvimos da boca das nossas famílias o que se passara horas antes. Ao completar a libertação dos seus presos, quadros do PCP disseram aos populares de Peniche, concentrados à saída da prisão, para irem para casa, pois lá dentro já não estava mais ninguém.

O sectarismo cego e obtuso tomou o freio nos dentes ao longo dos meses seguintes, mas veio logo ao de cima quando a liberdade dava os primeiros passos.

António Perez Metelo

Torcato Sepúlveda, A ficção de Cunhal/Tiago entre a lucidez e a missa ideológica, Público, 14/6/2005

Adelino Gomes, “CHAMAR-TE ESSE NOME SÓ NOSSO, CAMARADA”, Público, 14/6/2005

Margarida, 84 anos, foi das primeiras. Está ainda sentada, um cravo vermelho na mão, na outra a bengala. Quer falar com alguém “da velha guarda”. Mas estão todos para o enterro de Vasco Gonçalves.
Não é comunista. Às vezes vota PS. Da última vez, fê-lo no Bloco de Esquerda. Não veio, portanto, por si. Mas pelo marido, velho historiador antifascista, 15 anos de exílio, e o regresso à pátria no mesmo avião de Cunhal. Lembra-se bem. Dos dois “chochos” que lhe espetou na cara, no aeroporto Charles de Gaulle. Da mudança súbita de voo da Tap, de manhã, para um Air France, à tarde, para que Cunhal não fizesse todo aquele Paris-Lisboa “no mesmo avião em que estava previsto que viessem uns radicais” (José Mário Branco, entre outros), e assim se evitassem “complicações”.
É em nome do marido, o historiador Joaquim Barradas de Carvalho, falecido no início da década de 80 e ele sim, comunista, que Margarida deixa no livro a recordação daquele dia 30 de Abril de 1974, em que viajou no mesmo avião da Air France, do exílio em Paris para Lisboa, onde o regime, enfim, caíra. Uma evocação que, coincidências que vá lá a gente perceber, não fica longe destoutra de Maria, “funcionária da TAP”, que naquela mesma hora do regresso de há trinta anos o esperava “para lhe prestar assistência”, no aeroporto da Portela. “Simples simpatizante”, nesse tempo, ela aqui está agora a escrever-lhe “obrigada por tantos sonhos”.
(…)
Margarida Tengarrinha, que veio do Algarve “porque não podia deixar de vir”. Por causa de Vasco Gonçalves, “revolucionário, corajoso, lúcido, mas acima de tudo um homem puro”.
E, claro, “por causa do Álvaro”, a quem entreviu, pela primeira vez, “quando foi do julgamento de 1949, na Boa-Hora”. E a quem passou a conhecer quando em 1960, o já então “herói mártir”, acabado de fugir de Peniche, se apresentou (“louro, parecia um inglês”), na sua casa de Linda-a-Velha (Margarida era casada com o pintor José Dias Coelho, mais tarde assassinado pela PIDE), a pedir que lhe arranjassem um bilhete de identidade falso e, um ano mais tarde, um passaporte falso para abandonar o país.
Aurélio Santos, 74 anos, esteve com Margarida e reunia-se regularmente com Álvaro Cunhal em Bucareste, nos tempos da Rádio Portugal Livre. Hoje na Comissão Central de Controlo, integrou a partir de 1965 o Comité Central do partido. De regresso a Portugal, foi seu chefe de gabinete no imediato 25 de Abril, ficando impressionado com a “visão de estadista que ele demonstrou”.
Rejeita com veemência a ideia de que amanhã se assistirá ao enterro de um líder derrotado. “Basta lembrar o programa do partido para a revolução democrática, aprovado no 6.º congresso, em 1965”, argumenta, sustentando que praticamente tudo estava cumprido em 1976. Revolução socialista? “As revoluções raramente se fazem numa única tirada”, responde, depois de citar os “períodos de avanços silenciosos” de Gramsci. “Estamos numa grande crise de civilização. Ao contrário do que se pensa, o salazarismo só caiu quando o modelo se revelou incapaz.”
(…)
Na sala onde está o livro de condolências, por detrás da máquina onde se compram as senhas para o bar, Teodósia Gregório não quer falar. Talvez porque é tão grande a história que a liga à história. Essa, de um homem e de um partido, que ali mesmo, na vitrina em frente, se resume, no epitáfio do comité central, naqueles desenhos de prisão; naqueles livros; naqueles discursos de Cunhal, que sorri numa foto de há uns 20 anos, a bolsa apertada ao peito feito, por debaixo da camisa aberta.
“Abri esta sede, abri a Escola do Partido, fiz tudo aquilo de que fui capaz de fazer para o partido”, diz Teodósia. Falou de jacto e parece que nada mais lhe sai, quando lhe perguntamos a data em que viu pela última vez Cunhal, a imagem que dele guarda. Entrou no partido aos 19, isto é, há 51 anos; pouco depois o marido, Afonso Gregório, é preso. “É complicado”, diz. “É complicado explicar.”

Ana Sá Lopes, “O ÁLVARO PARA NÓS É UM PAI”, Público, 14/6/2005

Dina Góis é proprietária, com a mãe e o irmão, do café do Virgílio. É militante do PCP desde 1977 (tinha 14 anos) e amiga de Fernanda Barroso, mulher de Álvaro Cunhal e funcionária do PCP. Telefonou a Fernanda: “Que podemos nós fazer? Não te podemos largar nesta altura, temos que estar ao pé de ti”. “Vamos ao funeral manifestar o nosso pesar o carinho por ela. Ela fica cá!” A diferença de idades entre Fernanda e Álvaro era imensa (Cunhal morreu com 91 anos, Fernanda Barroso não tem ainda 60), e Dina recorda ter havido sempre “muito amor entre os dois”. “Há 30 anos que estão juntos. Ela vai sentir muito a falta dele, aquilo sempre foi “meu amor para aqui, meu amor para ali””. Maria José diz que ainda não está “bem mentalizada”: “Estou a pensar que é um sonho.” Dina Góis é realista: “A vida é assim. É a coisa mais natural da vida, a morte. É essa a realidade, é nisso que temos de pensar”. Dina ainda esteve em casa de Álvaro Cunhal a 22 de Dezembro: “Fui lá mais uma camarada do Centro Vitória, que trabalha com a Fernanda. Ele já estava muito debilitado, mas mantinha a consciência. Já quase não andava, mas mantinha a lucidez”.

15 comments

  1. “Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam muitos dias e são melhores. Mas há os que lutam toda a vida, e estes são imprescindíveis.”
    –Bertold Bretch

  2. Desconhecia o Blog, bem que trabalho que está aqui. Os meus parabéns !!

    Quanto ao Álvaro Cunhal foi uma grande perda, até um dia…

    Cumprimentos
    Jorge Nunes

  3. A morte saiu à rua num dia assim

  4. Boa Memória

    Do muito que se diga, há uma certeza:
    todos sabem
    que Álvaro Cunhal era incapaz de pedir sacrifícios aos portugueses, recebendo ele próprios reformas e pensões ou até um ordenado chorudo.
    Se todos os políticos fossem assim….

  5. Pedro

    Portugal precisa de Homens com a honestidade de Ávaro Cunhal. Até Sempre e Obrigado!

  6. Rui Costa

    Não sou comunista, mas Alvaro Cunhal é sem duvida um guia para mim.
    Que ninguém se esqueça, não existiu guerra civil em Portugal pk este Homem não quis.
    É maior que a vida…

  7. Memóriasselectivas

    Que ninguém esqueça que as directivas foram cumpridas na escalada de uma guerra civil(se assim não fosse de certeza que seria expulso). Mas que ninguem esqueça que o objectivo geoestratégico das directivas eram África e que… se dez milhões de portugueses não a tiveram…. muitos mais a sofreram. Pena é que além dela muito mais padeceram……..

  8. Gosteis imenso do vosso blog mts parabens. A mt tempo que nao encontrava um blog assim. Estou radiante por ver que o comunismo continua a ser apreciado. Quanto a Álvaro Cunhal melhor homenagem que podemos prestar é prosseguir a luta que travou até aos últimos dias de vida, sempre com confiança no futuro, pelos interesses e direitos dos trabalhadores, por uma sociedade de liberdade e democracia, pelo bem do nosso povo e da nossa pátria, pelo seu partido como partido da classe operária, dos trabalhadores, de todos os explorados e ofendidos, por uma sociedade socialista.

    Visitem e comentem o mosso blog: http://neothunder.blogs.sapo.pt/

    Aissado: Miguel Hordanix (Presidente do GPOP)

  9. Frederico Bernardino

    Ao José P. Pereira,
    Apesar do respeito que tenho pelo seu trabalho de historiador, o sr. proferiu ontem na SIC, acerca de Cunhal, um chorrilho de disparates. No cardápio do sr., enquanto biógrafo isento e desapaixonado (será mesmo assim?), sairam considerações como:
    – ninguem percebe nada do que foi Cunhal («surpreende-me quando se diz que Cunhal foi coerente», e passou a exemplificar com textos que o líder do PCP assinou e onde criticou posições e realidades da URSS);
    – «Cunhal criou o seu próprion personagem durante toda a vida. Era um actor!»;
    – o mito em redor de Cunhal é «prejudicial para a democracia portuguesa».
    A si, JPP, resta responder:
    – Cunhal era intransigentemente coerente ao marxismo-leninismo enquanto doutrina, ideologia e, também, forma de viver – essa era a sua coerência estrutural, não sensível, obviamente, a conjunturas;
    – Quem sofre tanto em nome da sua causa, quem se sacrifica de um modo tão violento pela sua luta, quem abdica de tudo em nome de uma vida em prol dos outros não pode ser sempre um «actor» – Cunhal geria habilmente a sua imagem espartana e asceta de comunista exemplar mas não pode ser acusado de ter alimentado durante toda a sua vida um cego e egocêntrico culto de personalidade;
    – O exemplo de Cunhal enquanto homem e político não deve ser varrido da aprendizagem democrática do País – o mito em seu redor só pode contribuir para a solidificação e exigência popular de uma democracia servida por melhores agentes políticos.
    E por aqui me fico, não sem antes sublinhar que podemos, e devemos, ser desapaixonados a fazer História. Porém, não devemos ser cegos e tolos a analisar particularmente os fenómenos e as personalidades que fizeram essa mesma História. pelo menos na aparência mediática!!!

  10. Manuel Castelo Branco

    Gostei muito de o ouvir ontem na SIC, no programa “A quadratura do círculo” sobre Alvaro Cunhal. A mim, que não sou comunista nem simpatizante daquela ideologia, levanta-se-me o seguinte dilema: se Alvaro Cunhal era uma pessoa inteligente como poderia desejar que o seu país se transformasse num Vietname do Norte, ou numa Coreia do Norte? Será que não saberia o que lá se passa. Então eu sei e ele não ?

    Melhores cumprimentos do Norte,

    Manuel Castelo Branco

  11. david

    ser inteligente ou ser boa pessoa sao coisas bem diferentes, ou dito de outra forma, ha varios tipos de inteligencia.

  12. Dominik

    Ao Sr. Manuel Castelo Branco

    Viu, viu, mas não aprendeu nada ou não lhe quiseram ensinar. qual vietnam ou correia?
    Não dúvido que o senhro é inteligente, nem tenho o direito de o duvidar, mas não lhe faltará algum conhecmimento sobre o camarada Álvaro Cunhal, ou melhor sobre o prório movimento comunista internacional? Informe-se e depois reformule o seu comentário. Ah e não se esqueça que nem tudo o que parece é e que nem tudo o que é aparece.

    abraço

  13. Na verdade, coragem sem par foi a dos comunistas que aceitaram confessar crimes que nunca cometeram e serem apagados da História pelo próprio comunismo, a quem assim prestaram um último serviço de TOTAL auto-aniquilação.´
    Foi o caso de Bukharine, inspirador do romance “Darkness at noon” (“O zero e o infinito”) de Koestler.
    Dos heróis dos “900 dias de Leninegrado”, ainda ontem narrados num excelente documentário da “BBC learning”.
    De Pável, de Cansado Gonçalves, de Fogaça.
    Esses sim, levaram até às últimas consequências a loucura da sua fé!

  14. Pasionaria

    Tive várias oportunidades de privar com Àlvaro Cunhal. A simplicidade e simpatia aliadas à enorme inteligência, são a marca que me deixa.O momento mais bonito foi aquele em que o pude ouvir na Faculdade de Filosofia, em Braga, falando do seu livro “A Arte, o Artista e a Sociedade”. Foi aí a última vez que falei com ele e foi aí também que, tive a certeza de que o povo português perdera a oportunidade de com ele aprender muito mais para além da sua atitude humana e política. Foi ali que, enquanto comunista, lamentei, enquanto sua camarada, que o Álvaro não tivesse sido um pouco mais “egoísta” e não se tivesse dedicado a algo mais do que a luta política. A Arte,fazia parte de si mas que acabou por ser remetida para segundo plano porque para Cunhal o indivíduo se não for solidário não vive…

  15. Pasionaria

    Bonito, saber da flor de sardinheira vermelha em Peniche. Bom, saber que Cunhal nunca será considerado santo… Porque os santos limitam-se a sofrer e a servir e não procuram transformar o mundo…

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