EDITORIAL DA REVISTA ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO (1983)

EDITORIAL DA REVISTA ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO – Julho 1983

O estudo do comunismo e dos movimentos e partidos que dele se reclamam, tem conhecido nos últimos anos um progresso cada vez maior.
Esse progresso deve-se, no fundamental, a uma mudança de atitude consubstanciada, por um lado, pelo reconhecimento da importância de que o fenómeno comunista se reveste para a compreensão da história e da política do século XX, por outro, pelo progressivo esbatimento das atitudes de recusa ou apologética que impregnaram muitos dos estudos sobre o comunismo.
Este progresso tem ocorrido essencialmente fora de Portugal onde estudos deste tipo ainda constituem excepção. Por razões óbvias, o comunismo era impossível de estudar antes do 25 de Abril de 1974 e, por razões já menos esclarecidas, continua em grande parte por o ser depois de 1974. Mas, o interesse histórico, político e sociológico sobre o século XX português, tem vindo a alargar a curiosidade do público em geral sobre temas cujo completo conhecimento exige avanços no trabalho de investigação científica do comunismo.
Em Portugal, neste domínio, está praticamente tudo por fazer. As bibliotecas públicas não possuem a imprensa comunista, a maioria dos documentos não se encontra acessível ou permanece ignorada, não existem estudos de conjunto, nem bibliografias, nem corpos documentais. Os principais arquivos (os da PIDE – DGS e das outras organizações repressivas, os de Salazar e Marcelo Caetano, o do PCP, muitos arquivos pessoais) não estão abertos ou são de difícil acesso ao público e aos investigadores.
A publicação de revistas de estudos sobre o comunismo, em particular a recente revista francesa Communisme , constituiu para nós um incentivo para lançarmos, com as adaptações e, principalmente, as limitações correspondentes às nossas possibilidades, um boletim destinado a estudar a experiência do comunismo português numa perspectiva ampla, interdisciplinar e comparativa. A análise histórica e sociológica, o estudo das mentalidades e do comportamento eleitoral, a ciência política e análise semântica e lexical do discurso comunista, todas as aproximações são bem-vindas.
Neste boletim tentaremos também estudar essa experiência no sentido mais lato possível, privilegiando os estudos sobre a mais importante organização comunista portuguesa, o PCP, mas alargando o âmbito dos trabalhos a outras organizações, movimentos e personalidades que se reclamaram do comunismo a Federação Maximalista, os trotskistas portugueses, os grupos e partidos maoístas surgidos a partir da década de 60, revistas como O Diabo e Sol Nascente, personalidades como Bento de Jesus Caraça e outros.
Serão igualmente tratados todos os temas que sendo mais da história operária ou do estudo das ideologias, permitem perspectivar a experiência comunista e enquadrá-la na vida portuguesa do século XX, incluindo aqui o estudo das lutas operárias no período posterior à Revolução Russa, e, em particular depois de 1934, a actividade das organizações da oposição como o MUNAF, o MUD e a FPLN, as campanhas eleitorais, assim como o estudo da actividade sindical, do discurso governamental sobre o comunismo e das instituições repressivas e policiais.
Pareceu-nos igualmente que seria artificial limitar os trabalhos apenas à parte histórica e não aproveitar a possibilidade de publicar estudos abrangendo o período posterior ao 25 de Abril de 1974. Por difíceis que sejam estes estudos, é possível desde já avançar em tudo que a distanciação temporal permita, em particular, através de um tratamento cronológico, bibliográfico e documental da actividade presente das organizações comunistas.
No seu conjunto, tentaremos fornecer um trabalho compreensivo, que permita conhecer melhor o fenómeno comunista, para o qual serão bem-vindas todas as colaborações e sugestões que nos ajudem a tornar este boletim um instrumento aberto de trabalho científico.

José Pacheco Pereira
Ramiro da Costa
Maria Goretti Matias
António Moreira
Rogério Rodrigues
Fernando Rosas
Manuel Sertório