Perfil de Álvaro Cunhal no Público, 13/6/2005.
Perfil de Álvaro Cunhal
Álvaro Barreirinhas Cunhal, nascido em Coimbra, em 10 de Novembro de 1913, hoje falecido aos 91 anos, morreu comunista como resolveu sê-lo aos 17 anos.
A sua vida confunde-se com a do Partido Comunista Português, para o qual foi sempre uma referência, mesmo depois de ter cedido a sua cadeira de secretário-geral, em Dezembro de 1992.
O pai de Álvaro, Avelino Cunhal, era advogado de província tendo chegado a governador civil da Guarda.Fez a primária em casa, mas aos 11 anos, a família mudou- se para Lisboa, tendo estudado nos liceus Pedro Nunes e Camões.
Em 1931, com 17 anos, ingressou na Faculdade de Direito de Lisboa e, eleito representante dos estudantes de Lisboa no Senado Universitário, a sua primeira proposta foi acabar com a Mocidade Portuguesa.
No mesmo ano filiou-se no PCP, entrou para a Liga dos Amigos da URSS e do Socorro Vermelho Internacional e depressa subiu os degraus da organização do partido.
Em 1935 já era secretário-geral das Juventudes Comunistas e no ano seguinte entrava para o Comité Central, que o enviou a Espanha, onde viveu os primeiros meses da guerra civil, uma experiência que o inspirou para o seu romance “A Casa de Eulália”.
Aos 24 anos, em 1937, sofre a primeira prisão, no Aljube e Peniche.
Por questões políticas foi obrigado ao serviço militar (início de Dezembro de 1939) na Companhia Disciplinar de Penamacor, mas por motivos de saúde, a junta militar dispensou-o pouco depois.
Em Maio de 1940 foi novamente preso.
Estudou na cela e foi à Faculdade, sob escolta policial, defender a sua tese (100 páginas, confiscadas depois pela PIDE) sobre a realidade social do aborto e a sua despenalização.
Os examinadores Paulo Pita e Cunha, Cavaleiro Ferreira e Marcelo Caetano (que vieram a integrar o consulado de Salazar) deram-lhe 19 valores.
Em 1941, trabalhou como regente de estudos no Colégio Moderno, a convite de João Soares e chegou a dar explicações a Mário Soares, mas, no final do ano, passa à clandestinidade.
Até 1947 conseguiu pôr de pé o partido, restabelecer as relações com a Internacional Comunista (interrompidas em 1938) e ganhou todos os “desvios internos”, sendo mesmo o responsável pelo relatório político apresentado no II e IV Congressos.
Preso de novo pela PIDE em 1949, no ano seguinte é levado a julgamento e é condenado a quatro anos de prisão maior celular, seguida de oito anos de degredo.
Na prisão escreve e desenha. Esteve mais de oito anos isolado numa cela.
“Quando se tem um ideal o mundo é grande em qualquer parte”, lembraria mais tarde.
A 03 de Janeiro de 1960 foge, com outros camaradas, do Forte de Peniche, uma fuga espectacular e novo período de clandestinidade.
No ano seguinte é eleito secretário-geral (cargo vago desde 1942).
E, mesmo vivendo no exílio, entrou e saiu várias vezes do País e consegue publicar em 1964 o “Rumo à Vitória”, cujas teses ainda perduram no núcleo duro do PCP.
Cinco dias após o 25 de Abril de 1974, Cunhal regressou a Lisboa, vindo de Paris, para a 15 de Maio tomar posse como ministro sem pasta no governo provisório.
Entre 1975 e 1992 foi deputado à Assembleia da República, mas só por curtos períodos ocupou o lugar na sua bancada.
Em 1982, torna-se membro do Conselho de Estado, cargo que abandonou em 1992, ano em que cedeu liderança do PCP a Carlos Carvalhas, para passar a presidente nacional do Conselho Nacional do partido, um cargo criado à sua medida e extinto anos depois.
Passou incólume aos desaires internos: o “grupo dos seis” e a “terceira via” em 1986; em 88 o caso Zita Seabra, que acaba por ser expulsa dois anos depois.
Foi operado a um aneurisma da aorta, em 1989, em Moscovo.
Quando regressa a Portugal, o partido sofre sucessivos contratempos: o grupo do INES e a “quarta via”, a queda do muro de Berlim e a “perestroika”.
Livre das luzes da ribalta partidária, nem por isso deixou de influenciar os destinos dos comunistas portugueses, embora tenha assumido claramente apenas a sua condição de romancista e esteta.
Os seus contactos com jovens multiplicaram-se, mas tiveram de passar 28 anos sobre o 25 de Abril para Cunhal ser convidado a falar na Universidade Católica (1997), onde surpreendeu todos ao dizer que Jesus Cristo se sentiria mais próximo dos comunistas.
Com obras publicadas como ideólogo do marxismo-leninismo (entre as quais “Rumo à Vitória” e “Partido com Paredes de Vidro”), só em 1995 reconheceu publicamente ser ele o Manuel Tiago da ficção literária “Até amanhã Camaradas”, “Cinco Dias e Cinco Noites”, “Estrela de Seis Pontas” e “A Casa de Eulália” e o António Vale que assinava temas plásticos e fazia desenhos como as suas célebres ceifeiras.
Após a aprovação no Comité Central do “Novo Impulso”, um documento que em 1998 imprimia um sentido renovador às linhas de orientação do partido para os anos seguintes, Álvaro Cunhal fez uma ronda de sessões de esclarecimento pelo país, alertando contra as “tendências de social-democratização” no PCP.
Dois anos depois, e por motivos de saúde, Cunhal faltou pela primeira vez à Festa do Avante e pela mesma razão ao XVI Congresso do PCP.
Mesmo ausente, marcou os trabalhos, ao enviar um documento em que reafirmava a actualidade do marxismo-leninismo.
Nos últimos anos esteve sempre afastado da cena política devido à sua avançada idade e ao seu estado de saúde.
Em Novembro último, voltou a enviar uma nova mensagem ao XVII Congresso, também saudada de pé pelos militantes.
Álvaro Cunhal teve uma filha única, Ana (a mãe foi a sua companheira de exílio Isaura Dias) embora a mulher dos seus últimos anos fosse Fernanda Barroso.
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A morte (de Álvaro Cunhal, de Vasco Gonçalves, de Eugénio de Andrade para falar nos que deram origem imediata a este comentário) ao contrário do que vulgarmente se diz não nos deixa mais pobres.
Enriquece-nos, porque acrescenta, taz mais valor ao nosso bem mais precioso: a memória.
Memória que também se alimenta de exemplos e de vidas de outros.
Vou levar foto e texto para o TriploV espero que n se importem, não há tempo para pedidos formais.
Cumprimenta cordialmente
Estela
Estive inscrito na Juventude Comunista durante uns tempos. Em rigor não posso dizer que fui militante, pois não era empenhado. É que em pouco tempo vim a descobrir que não era comunista e que se tinha assumido a minha inscrição na JCP isso nem sequer se devia a um qualquer equívoco de ordem política ou ideológica. A confusão era outra. Hoje, sei que foi por um conjunto de fragilidades pessoais que tentei iludir com a filiação numa organização cujos os membros me pareciam ter qualidades que me faltavam completamente.Álvaro Cunhal actuava como uma representação mítica dessas qualidades. Não eram elas as consensuais e estafadas “corência” e “inteligência”. Eram outras, que bem mais falta me fazem: coragem física, força moral e optimismo histórico nas condições mais adversas.
Por isso, lembrar-me-ei sempre de Cunhal, não como um tenaz teórico do socialismo, mas por aquilo que o unia a homens tão diferentes politicamente de si: o seu exemplo humano.
A morte de Álvaro Cunhal é um marco importante na História de Portugal. Mas, ao se decretar luto nacional não estaremos a menosprezar a importância que tiveram tantos militantes comunistas que morreram para que nós pudessemos, hoje, estar aqui a escrever que Cunhal devia ser sepultado com honras de comunista e nada mais?
Será que temos que nos esquecer que Cunhal é responsável por algumas passagens menos interessantes da nossa história contemporânea? Será que temos que nos esquecer que ele faz parte de uma minoria que sempre quis dominar a maioria? Ninguém, com a minha idade (53) vai esquecer isso tão cedo! Então, o melhor era enterrá-lo com dignidade e não fomentar opiniões como esta.
Simplesmente, enterrem-no.
António Guimarães
Queria deixar aqui devido à impossibilidade de comentar no “Abrupto” uma última homenagem a Eugénio de Andrade. De Álvaro Cunhal posso referir que embora não seja do meu quadrante político nem a sua figura pública me tenha provocado muita admiração, foi um homem coerente com a sua ideologia e com a sua “ideal aplicação” ao panorama português.
Sabias como nenhum outro da magia das manhãs
onde pássaros dançantes eram uma extensão da tua voz
A bruma matinal era a tua companheira de viagem
entre as margens dum rio que te servia de memória
e duma cidade que fingia esquecer-te…
Mas os teus leves passos marcavam trilhos profundos
levavam a terra agreste de volta ao teu olhar
e provocavam lágrimas que secavam lentamente…
E então ressurgias de ti próprio com essa palavra inicial
que na tua boca era uma arquitectura de afectos
e o amor
e a morte
fundiam-se na proporção do teu desejo
que tinha a velocidade da luz e caminhava directo ao Sol!
Opinião :
Sobre Álvaro Cunhal, apetece dizer muita coisa. Pacheco Pereira já terá dito o principal, nos livros que escreveu. Todos louvam a força das suas convicções, que contrasta com a leveza reinante dos actuais próceres democráticos. Estes encontraram o novo bezerro de oiro : a magna questão contabilística do Défice e daqui não saem. Que saudades dos debates de 1975, mesmo quando estávamos errados, do lado de Cunhal, que hoje nos parece fascinante, mas tenebroso, pela dureza da sua determinação, que nos teria saído cara, se houvesse triunfado. Honra ao herói derrotado, pela inteireza com que lutou e gratidão para com os que se lhe opuseram pela visão acertada que então tiveram. Mas, nem em tudo Cunhal se enganou, nomeadamente, nos riscos da adesão de Portugal à Comunidade Europeia e o balanço está ainda muito longe de ser definitivo… Daqui por 100 anos, a apreciação pode ser diferente, pode Portugal já nem existir, como país soberano!…
Acrescento que a decisão do Governo de considerar feriado a próxima quarta-feira, dia do funeral de Álvaro Cunhal, me parece um exagero, sobre ser um sumo exercício de hipocrisia moral e política dos dois mais altos magistrados da Nação.
Dixit.
A morte de Álvaro Cunhal deixou Portugal mais pobre.Para além da defesa intransigente dos seus ideais,deu-nos um exemplo de verticalidade, coragem, firmeza, honradez e coerência.Era também um grande artista e um grande poeta, que admiro profundamente.
Assim, mesmo não sendo comunista, não lhe digo adeus Dr. Álvaro Cunhal, digo-lhe até sempre.
Ao Poeta Eugénio de Andrade agradeço a poesia. A ele, como à Sophia, ao O’Neil e a tantos outros!
Hoje, porque foi O seu dia de partir, é Eugénio de Andrade que simboliza essa forma sublime de navegar nas palavras.
Ao Político Álvaro Cunhal, que não conseguiu seduzir-me pela sua ideologia, agradeço a coragem e a convicção com que se entregou a uma Causa: o fim da ditadura fascista em Portugal! Ele, e tantos outros Homens e Mulheres, arriscaram a vida com firmeza e coragem.
A capacidade de Sonhar e a Coragem, são hoje os legados mais preciosos que podemos homenagear nestes dois Homens.
Regatear pela questão do luto nacional é deselegante e mesquinho. Até onde vai a nossa coerência e convicções na Democracia? O respeito pela dignidade dos outros, não significa pensar como eles, nem ser hipócrita.
A nobreza de carácter está em reconhecer qualidades nos adversários e honrá-los pela dignidade com que os respeitamos na morte.
Eugénio de Andrade e Cunhal precederam-nos.
Agora…
Compete-nos, a nós também, deixar aos mais novos um legado de Sonhos que os inquiete e um exemplo de Coragem que os anime. Quem começa?
O legado que nos é deixado, de coerência e rectidão, deveria ser exemplo para muitos dos actuais politicos portugueses.
O meu respeito e a minha admiração por este Homem, é a melhor homenagem que lhe posso prestar.
Até Amanhã, Álvaro Cunhal!
Choram os campos de trigo
E as papoilas vermelhas.
Os Ingleses dizem que dos mortos só se deve falar para dizer bem (ou se cala ou se elogia). Custa-me fugir à regra, mas os meus três anos de Moscovo (2002-2005)e aquilo que lá vi, ouvi e li obrigam-me a sublinhar o negativo. O Bolchevismo estabeleceu-se e funcionou com a deturpação da realidade. A utilização deliberada de linguagem que deturpa e manipula. Ao fim de décadas, quase sem se dar por isso, há a total impunidade da meia-verdade e da mentira, mesmo nas mais pequenas coisas do quotidiano. O preço disso para uma sociedade é terrível. Esse estado de coisas é, não tenhamos medo da palavra, imoral. Ao ver apenas a parte que lhe convinha na Revolução Russa, os crentes no Comunismo, como Cunhal, contribuem para essa gangrena moral da manipulação da linguagem. Não vem aqui ao caso, da minha parte, um combate ideológico ou de apologia de sistemas de mercado, mas não compreendo, depois do que se passou na Rússia no século XX, como se poderá ainda fazer o elogio dum Comunista.
Não gostaria de ser redutor ao ponto de considerar apenas que Álvaro Cunhal se manteve coerente relativamente à sua forma de pensar e à sua ideologia até ao fim da sua vida, mas apenas salientar a forma como se entregou a uma luta que sempre fez questão de esclarecer que não era dele mas de muitos homens e mulheres (colectiva) que sonharam e realizaram a democracia em Portugal. O que se passou após 25 de Abril de 1974 e que cessa com o 25 de Novembro de 1975 deve ficar para a História, o objectivo da luta dos seus camaradas não era o caminho que a maioria do povo desejava.
Ontem a RTP fez uma homenagem a Álvaro Cunhal no programa “Prós e Contras”. Quero apenas citar uma intervenção do jornalista Luís Osório que teve oportunidade de questionar o político acerca do trabalho do Dr. Pacheco Pereira na elaboração da sua biografia não autorizada. Luís Osório salientou que Álvaro Cunhal considerava Pacheco Pereira um homem muito inteligente, e findou com uma observação interessante que revela muito sob o que é verdadeiramente fazer política; Álvaro Cunhal apenas reconhecia que lhe fazia frente e Pacheco Pereira era capaz disso.
Não concordo com o ideal comunista de modo global, mas devo confessar que começam a desaparecer os homens verdadeiramente políticos que viveram para servir a causa pública e que dedicaram a sua vida na luta por causas e ideais. Um apelo aos jovens políticos deste País para que façam política pelas causas públicas e não pelos interesses pessoais. Vamos fazer com que os homens que arquitectaram a liberdade e a democracia em Portugal (não vou discriminar para não ser injusto com algum) se orgulhem e acreditem que valeu a pena a sua luta.
Cumprimentos
Nuno Guimarães
Cunhal “foi um perdedor”. Como assim?
Enquanto ouver no mundo capitalista uma criança com fome, uma mãe desgraçada, um pai faminto, a falta de abrigo para quem tem o céu como tecto, o desconhecimento de que amor se escreve com letras que se aprendem na escola que não existe, a doença que mata e a sede que não se sacia, a luta de Cunhal não foi ganha e muito menos perdida.
Porque é que estes “santos” são sempre originários de regiões subdesenvolvidas, onde o analfabetismo é grande e as pessoas desinformadas são facilmente manipuladas?
Este País é assim…Depois de Salazar,Sá Carneiro, a Amália Rodrigues, agora o Cunhal,…
Amigos,adversários e inimigos juntos e unanimes a elogiar a coerencia do desaparecido, a lealdade aos ideais e a firmeza do caracter.
Esqueceram-se que ele Cunhal nunca contou aos correlegionários e aos portugueses em geral a tragédia que foi o estalinismo (leiam a tradução de Ludgero Pinto Basto “Bukharine, minha paixão”,informem-se sobre o aniquilamento físico de 70% da direcção do partido bolchevique e a perseguição às famílias,sobre os gulags, o assassinato de TrotsKy e a condecoração na URSS do assassino Mercader (que teve exílio douradoem Cuba), , os metodos do centralismo democrático e das polícias secretas, o Palácio do Ceausescu a destruição da sociedade civil nos países de Leste, o marxismo-leninismo africano e as suas seitas de corruptos, o capitalismo selvagem na China Popular…
Os documentos históricos desmonstram-no: o comunismo “científico” foi uma das maiores mentiras do sécXX. Serviram-se dos pobres e dos trabalhadores para instalarem ditaduras dos aparelhos burocráticos e o capitalismo de Estado.A violencia e a exclusão sobre todos os que pensam diferente.
Coerência desta,não obrigado!
Democratas e defensores dos direitos humanos~de todo o mundo,uni-vos.
Cidadão Informado