“Em anexo segue um texto sobre o PCP que foi feito em Montemor-o-Novo em Novembro de 2002 para publicação no jornal Folha de Montemor. Aqui está a versão total, embora a versão publicada tenha sido mais reduzida.

O nosso objectivo aquando da publicação do texto foi revelar um pouco do partido em Montemor, um concelho que foi fortemente marcado pelo PCP durante décadas.”

PCP – Retratos do Partido, ontem, hoje e amanhã

O PCP é, só por si, um partido diferente dos outros. É diferente na idade, – foi fundado em 1921 -, é diferente na forma como pretende chegar ao poder – pela revolução e não necessariamente pelos votos -, é diferente na militância – uma vez comunista de verdade, para sempre comunista -, é diferente na atitude – é o único partido que se assume contra o capitalismo ao afirmar que este não é o fim da história e que a humanidade pode superá-lo, organizando um outro sistema onde não exista a exploração do homem pelo homem.

O momento actual não tem sido propício ao PCP. O partido não consegue suster a derrapagem dos votos. Nas últimas legislativas, a coligação com os verdes obteve o seu pior resultado de sempre, ao eleger apenas 12 deputados em 6 distritos, Lisboa, Setúbal, Porto, Santarém, Évora e Beja, todos os restantes distritos já não têm nenhum representante do PCP na Assembleia da República. Nas últimas eleições autárquicas as perdas de presidências de Câmaras deixaram marcas profundas, face ao que se passou em Évora e em Lisboa. As referências exteriores praticamente não existem, depois da queda do Muro de Berlim e do descalabro da União Soviética. Resta Cuba, a esperança chinesa e a Festa do Avante que continua a chamar um mar de gente.
Face a este cenário desfavorável, e sendo Montemor a praça mais forte do PCP em todo o Alentejo, a Folha foi falar com os representantes da concelhia do PCP- António Gervásio, Alexandre Pirata, Vatalina Roque e Maria Lourença -, para saber o que se passa na da vida deste partido.

O contexto

Gorbachev ficará para a História com o homem que acabou com a União Soviética, o que só por si constituiu o maior golpe que os partidos comunistas sofreram ao longo de toda a sua existência. Mas a vida e a sociedade soviética já denotavam algum mal-estar entre a população, o que era um indício de que algo de grave estava próximo de acontecer. Alvin Toffler, prevê a queda do sistema, mas é incapaz que prever o tempo em que tal irá acontecer, ao afirmar que “o socialismo chocou com o futuro” .
Todavia, esta não é a versão dos acontecimentos aceite pelo PCP. Para António Gervásio, o Partido Comunista da União Soviética degradou-se, abandonou a luta pela construção do socialismo. A “perestoika” foi um processo contra-revolucionário, atrás de si, tinha a contra-revolução. Quanto mais avançava a “perestroika” mais os chefes imperialistas esfregavam as mãos de contentes, mais se afundava o socialismo.
Ao longo dos anos, já desde a era de Brezhnev, eles – o mundo ocidental – foram degradando a produção, a produtividade e a própria sociedade, criando as condições para que o povo saísse para a rua. Em 19 de Agosto de 1991, essas forças saíram para a rua e triunfaram.
Por isso é importante questionar como é visto o último secretário geral do PC soviético pelo comunistas portugueses. António Gervásio não hesitou ao responder que a História irá dar a conhecer como se desmoronou o socialismo. Gorbachev deveria estar ao serviço de outras forças, forças anti-comunistas que entregaram o poder. Alguém acredita que num dia Gorbachev é o Secretário-Geral do PC Soviético e no dia seguinte assina a sua ilegalização e entrega o socialismo às foças do imperialismo. Não é um homem sério, é um homem que está ao serviço de alguma coisa que não é o socialismo. Por que é que ele, no ano seguinte, vai para a América e é eleito o homem do século XX que transformou o mundo.
Cuba, aparece assim como uma das últimas bandeiras onde o socialismo resiste, desde a revolução encetada por Fidel Castro, em 1959. Contudo, o que se irá passar quando este mítico dirigente morrer, será que o país tem capacidade de manter o rumo socialista? Será que Castro tem sucessor à altura? António Gervásio refere que Cuba há mais de 40 anos que está cercada, mas até agora ainda não caiu, e não se espera que vá cair. No plano da saúde são hoje dos países mais evoluídos do mundo, mas sofrem um bloqueio económico fortíssimo por parte dos americanos.
Todos os dirigentes têm sucessores. Não se pense que caindo Fidel que cai o socialismo em Cuba. O povo cubano é um povo aberto, onde não há racismo, onde o partido grita pelo povo. Eles têm consciência que se um dia perdem o poder são esmagados. Será mau para aquele povo que o comunismo caia, mas a luta não para.

Vitalina Roque, que já esteve em Cuba, não hesita em comentar que os cubanos comparam a vida que têm com a vida dos outros povos da América Latina e não com a vida dos EUA.
Na queda dos regimes comunistas existem imagens que impressionam: quando o Muro de Berlim caiu, as pessoas foram todas no mesmo sentido, do mundo socialista, para o mundo capitalista.

Alexandre Pirata – É verdade. Mas isso foi como a impulsão de um prédio, só se faz ruir os alicerces, e ele cai sobre si próprio. E aqui foi um trabalho dos monopólios e do imperialismo ao longo de muitos anos, e quando conseguiram minar os alicerces todos, o sistema caiu sobre si. Eu que viva lá os seis anos mais felizes da minha vida, ainda hoje me interrogo. Como é que é possível? Um país daqueles, com um aparente domínio de tudo, como é que é possível se entregarem, se venderem. Estes dez anos de retrocesso aqui vão representar umas dezenas largas de anos para repor o que se andou para trás.
Face à situação que hoje se vive no mundo, onde a globalização é uma realidade, e a União Europeia faz parte do nosso dia-a-dia, questiona-se se o PCP ainda faz falta à sociedade portuguesa?

A. Gervásio – Se não existisse o PCP não teríamos derrubado o fascismo em 1974, nem a Revolução de Abril teria triunfado, porque existia um luta revolucionária que foi organizada, dirigida e influenciada pelo PCP. Não houve nenhuma luta económica ou social que não tivesse a mão do PCP. O nosso povo pode agradecer ao PCP ter conquistado a liberdade em 1974.
Hoje o PCP não está fora do contexto, a vida provou que cada vez faz mais falta às classes trabalhadoras, um partido revolucionário. Esta palavra não deve assustar ninguém, revolucionar é transformar a vida, é avançar para um mundo novo e melhor.
Agora, há partidos que se auto-destruiram, que degeneraram, mesmo aqueles que estavam no poder socialista, como a queda do PC italiano, a desagregação do PC francês, a morte do PC espanhol. As forças que combatem os partidos comunistas conseguiram penetrar. Pode pensar-se que o comunismo caiu na União Soviética porque o modelo era um modelo estatizado. Tudo isso é mentira, quando se vai analisar a situação, verifica-se que a contra-revolução não começou por baixo, mas por cima. A queda dos regimes socialistas trouxe muitas ameaças à humanidade, mais desemprego, mais fome, mais guerras, há mais esmagamentos de povos e de países. Isso não seria possível se existisse o campo socialista.

A conquista do poder

Todavia, apesar do que os seus dirigentes afirmam, as eleições indicam que o país se está a afastar do PCP, pelo que A. Gervásio afirma que não é essa a baliza para se avaliar a força do PCP. Não quero avaliar a força do PCP na base de votos, porque essa é uma análise errada. Nós não somos um partido eleitoralista. Consideramos que a frente eleitoral institucional é importante, mas não é a decisiva. A decisiva é a luta de massas, a luta social, os problemas sociais e a nossa força no movimento social, nas empresas e, nos sindicatos. Essa é a luta determinante.
Por que nós não somos um partido que aceitamos o sistema, tal como é, nós forçamos as fronteiras do sistema. Todos os outros partidos são partidos do sistema, não passam daqui, não querem transformar a sociedade, não querem que a exploração do homem pelo homem acabe. Nós pensamos sempre que a sociedade deve acabar com a exploração do homem pelo homem, achamos que essa situação não é necessária. O nosso objectivo é a transformação da sociedade, conduzindo a luta nesse caminho.
Como é que chega ao poder? Pela revolução ou pelos votos? Depende, muitos têm chegado por votos. Allende, chegou ao poder pelos votos, mas o imperialismo derrubou-o. Nós derrubámos a ditadura fascista, sem que tenha sido preciso um golpe muito forte. Podíamos ter passado para o socialismo, estivemos à beirinha. Mas podem-se sempre criar resultados eleitorais, de alianças de forças democráticas, que alteram o poder, sem necessidade de convulsões violentas.

Nas últimas eleições o PCP teve o pior resultado de sempre. Elegeu 12 deputados e 8 pertencem a Lisboa e a Setúbal. Do ponto de vista da realidade democrática, onde o poder do povo se expressa através do voto, ainda se pode afirmar que o PCP continua a ser um partido nacional?

A. Gervásio – O PCP faz falta, o povo não terá a defesa dos seus interesses se não houver um PCP mais forte. Não devem ter medo do PCP, o PCP não é um papão, tudo isso são fantasias, isso não é verdade, pelo contrário, o PCP é um partido aberto. Se forem às listas do Partido podem encontrar muita gente que não pertence ao partido. Nas listas da CDU, metade não pertence ao partido. Sozinhos não construímos uma vida melhor, é com todos, com todos os que querem o progresso. Por isso estamos a trabalhar para um PCP mais forte, não é para servir os comunistas é para servir o país.
Eu gostava de sublinhar que nós não subestimamos a luta eleitoral institucional. É importante para o nosso povo transmitir a nossa mensagem, a nossa influência, mas não a consideramos a decisiva, por isso não abandonamos as outras. Neste momento, damos prioridade à luta social contra esta política que arrasta o país para uma ruína completa.
A nossa mensagem não passa pela comunicação social, porque eles isolam-nos, silenciam-nos, deturpam. Assim temos muito mais dificuldade em transmitir a nossa mensagem através dos meios oficiais, daí termos que utilizar os nossos meios, mas não têm a mesma eficácia.

A influência da PCP

O PCP sempre teve uma influência muito significativa no Alentejo, devido principalmente à forma como nesta região estava implantada a posse da terra. Um reduzido número de pessoas detinha a grande maioria das terras e um grande universo de pessoas não tinha mais do que a sua força de braços para poder sobreviver.

Montemor, não fugiu a esta situação e foi, ao longo dos quase 50 anos de ditadura, uma localidade onde a luta de classes se desenvolveu de forma contínua, mesmo quando tudo parecia perdido, e as forças governamentais provocavam sérios golpes na estrutura local, como aconteceu aquando da morte de Germano Vidigal, havia sempre alguém que tinha a coragem de se levantar.
Hoje com a diminuição de votos e de influência o Alentejo parece estar está a voltar as costas ao PCP? A. Gervásio não vê a situação com a mesma perspectiva e afirma que não está, e vamos a ver, se houver lutas quem é que lá está. As lutas que existem nas questões da saúde, do emprego, do ambiente, dos problemas vivos do nosso povo, quem é que lá está? Não é o CDS, podem estar alguns socialistas, mas os militantes comunistas estão lá.
Alexandre Pirata comenta que, o nosso principal eleitorado são aquelas pessoas que passaram toda a sua vida com ocupações agrícolas e a sua perda também nos leva alguns votos, mas a segunda causa são os meios de comunicação ao dispor de cada força política. Ora nós não temos a possibilidade de ter o mesmo acesso à televisão e à rádio, e são esses meios que formam a opinião.
A abstenção é hoje um problema para todos os partidos e uma situação reveladora do desinteresse de uma faixa importante da população que sistematicamente não vota. Vitalina Roque os jovens são muito críticos e têm muito pouca confiança nos políticos. Temos que reconhecer que existem muitos políticos que desiludiram completamente o que torna natural que muitos jovens se abstenham. Nós vemos os jovens de aqui participar nas actividades proporcionadas, mas depois não votam.

Alterar o actual cenário da abstenção é uma tarefa enorme que não se consegue de um dia para o outro. Vitalina Roque acha que a situação só se pode alterar com a possibilidade de participar. Nós temos uma quantidade de gente nova nas listas da CDU para as autarquias. Começa a notar-se uma nova vontade de participar e um maior interesse por estas questões.

As autarquias comunistas

Uma das áreas onde o PCP tem marcado mais influência em termos de poder é a área autárquica. Que diferenças têm as autarquias comunistas das outras?

A. Gervásio comenta que se se for ao Norte e se se fizer uma visita às autarquias do PS ou do PSD ou CDS nota logo as diferenças: nos contactos com as populações, na solução dos problemas do saneamento básico, no apoio às estruturas, por que nós existimos para servir as populações, não é para servir lobbies, grupos da construção civil ou outros.
Repare, em Évora, ganhou o Partido Socialista, os comunistas já não puderam ter um pavilhão na Feira de S. João. Em Grândola, também ganharam os socialistas e os comunistas também já não puderam ter um pavilhão na Feira.

Para Vitalina Roque, que fez parte do anterior executivo camarário, uma das diferenças, nos primeiros anos de poder local democrático, foi a preocupação com as questões básicas essenciais. Actualmente, a maior parte destes problemas estão resolvidos, por quase todo o país, por isso nessas questões já não existem muitas diferenças. Mas existe uma diferença que nós, nomeadamente aqui no concelho, tentamos implementar que é a participação das populações, e que se traduz numa gestão participada que me parece não acontece noutras autarquias lideradas por outras forças políticas. Nas autarquias da CDU uma outra diferença é a descentralização das câmaras para as freguesias.

Maria Lourença acrescenta que o que distingue os comunistas é a forma de chegar às pessoas, é querer que as pessoas sejam elas próprias. Esta é a nossa maneira de estar, e é esta a nossa diferença, que se traduz numa vontade de transformar a sociedade.

Alexandre Pirata, actual presidente da junta de freguesia de Nossa Senhora da Vila, afirma que um outro aspecto que também define a gestão participada da CDU é a forma de gerir os interesses da população, de toda a população e não fazer qualquer tipo de discriminação sobre cores políticas. Depois de sermos eleitos servimos os interesses de toda a população. Outro aspecto a referir é a entrega total dos nossos eleitos à gestão autárquica.
Mesmo assim, apesar das vantagens e diferenças positivas aqui apontadas, nas últimas eleições o número de Câmaras do PCP diminuiu. A. Pirata justifica, ao apontar várias causas, tais como, perdemos algumas por erros nossos, da nossa gestão e também por questões partidárias. Por exemplo, em Évora, não fomos capazes de aguentar aquele embate.

A. Gervásio alarga a análise ao afirmar que o Alentejo sofre as transformações mais profundas de toda a sua história. Nunca o Alentejo sofreu a desertificação que está a sofrer hoje. A população activa desapareceu do Alentejo, já não existe actividade produtiva, as terras estão cercadas de arame farpado, de coutadas e não dão emprego. O eleitorado que votava PCP já cá não está, e isso reflecte-se na votação do PCP. Hoje o eleitorado é outro e algum eleitorado que tem vindo, não se identifica com a esquerda.
Por outro lado, nalguns sítios onde o caciquismo de direita tem mais força a abstenção ainda é maior, na Madeira, onde está o Jardim, por exemplo, é a região onde a abstenção é mais alta.
O que seria da oposição em Portugal se não houvesse um partido comunista? o que da seria da Assembleia da República? Mesmo quando não estão no poder, quem é que mais diplomas propõe, que mais trabalho de casa faz, quem mais se empenha em todos os órgãos políticos onde está.
E sempre tem estado, infelizmente, na oposição, com excepção do período logo a seguir ao 25 de Abril, isso mostra que nós, mesmo quando não estão criadas as condições de acesso ao poder, o nosso trabalho é importantíssimo na oposição, pelo menos para impedir que se criem situações políticas contra os trabalhadores, contra os direitos dos cidadãos, em privilégio de um estrato da sociedade que não são aqueles que mais produzem e que mais a representam no seu todo.

A Reforma Agrária

A Reforma Agrária é, sem dúvida, a maior bandeira do PCP. O impacto deste processo no Alentejo foi enorme, embora de curta duração. O que é que falhou na Reforma Agrária?

AG – A Reforma Agrária não falhou, o que falhou foi um governo de esquerda, falhou um governo democrático avançado.

Como é que chegava a esse governo?

AG – Se os militares de Abril não se tivessem vendido ao partido socialista – alguns deles.

A Reforma Agrária foi legítima?

AG – Foi, principalmente para esta região. Repare, eu tenho um conceito de legitimidade, talvez diferente do seu.
Quando se deu o processo revolucionário, o comportamento dos grandes proprietários foi despedir tudo, deixar de dar trabalho, deixar de produzir, fugir para outras regiões e até para Espanha.
Então os trabalhadores colocaram-se perante a questão: que fazer? Não há trabalho, as terras estão incultas e abandonadas. Por essa razão o partido promoveu a primeira conferência dos trabalhadores agrícolas do sul, em 9 de Fevereiro de 1975, para discutir esta situação: que fazer perante esta situação e este comportamento contra-revolucionário que se estava a opor à Revolução de Abril.
A decisão foi: avançar para as terras incultas. Mas igualmente propor uma nova lei. Aqui o Partido Socialista e Mário Soares foram aqueles que mais bloquearam a saída da Lei. Em meados de 1975 havia meio milhão de hectares ocupados, embora ainda não existisse lei, depois com a saída da lei são ocupados mais meio milhão.
Isto para dizer que o processo revolucionário é legítimo, por isso a Reforma Agrária foi legítima, e só não avançou com base na lei porque não houve um governo democrático. Se os agrários dão trabalho e produzem, não se teria avançado assim. O comportamento dos grandes proprietários, que é a classe mais retrógrada da sociedade, foi de arrogância. Por outro lado, aqui em Montemor, na Quinta dos Pretos, ninguém a ocupou, ele trabalhava a terra e misturava-se com o pessoal.

A.P. – Ao longo do processo da Reforma Agrária também houve falhas, porque foi um processo sobre o qual não havia experiência e muitas vezes foi necessário aprender à custa dos próprios erros, mas estes foram erros de percurso, não erros de princípio.
Esta foi a conquista de Abril que regionalmente mais impacto teve no Alentejo. Foi com base na Reforma Agrária que as populações das aldeias, dos lugarejos, de toda a região do Alentejo se desenvolveram tendo, ao longo dos 10 ou 15 anos, aumentado exponencialmente o seu nível de vida. Para muitos deles foi a única possibilidade de poder adquirir a sua casa, de poder adquirir bens de consumo necessários, o seu carro, a sua mobília. Do ponto de vista social foi o acontecimento mais importante do último século, a partir do qual a população veio a ter as melhores condições de vida de sempre e a garantia de estabilidade laboral, coisa que nunca tinha tido antes e que nunca mais veio a ter, com o termo da Reforma Agrária.

Ainda relativamente à questão da legitimidade eu acho que foi completamente legítima a partida para as terras e o direito que trabalhadores tinham de que essas terras fossem colocadas a produzir em prol das sociedades locais.
Por outro lado, a Reforma Agrária, foi uma mina para muitos agrários que, no início, limparam as dívidas que tinham perante a banca, com tudo hipotecado. Por outro lado, com o seu termo, veio a indemnização de 60 milhões de contos distribuídos ao latifúndio, para o tempo que não tiveram as terras na sua posse. Foi como que a lotaria que lhes saiu nestes 10 anos de Reforma Agrária. Como é lógico eles não o reconhecem, mas é a realidade.

O desenvolvimento do Alentejo

O Alentejo tem futuro? E esse futuro passa pela Agricultura?

A.P. – A agricultura é o sector económico estratégico para esta região. A própria estrutura agrária daqui e o papel que pode ter no desenvolvimento económico desta região é indispensável. O progresso passará necessariamente pelo desenvolvimento sustentado da agricultura.
O que é necessário é partir para uma agricultura sustentada de aproveitamento do solo agrícola, com rotações de culturas. Jamais pudemos pensar num futuro melhor para esta região sem colocar nos primeiros lugares o sector agrícola. Por que é impossível que o sector fabril abandone, de um dia para o outro, a faixa litoral, onde está instalado e onde tem escoamento com custos mais baixos, para criar aqui implantação.
Que ninguém tenha ilusões que conseguiremos, nos próximos anos trazer para aqui indústrias, porque não é só a localização e as vias de acesso, são também os hábitos e as mentalidades das populações. Vendas Novas conseguiu prosperar nesta área porque já tem estes hábitos enraizados, tem 50 anos de indústria!

O PCP está em crise?

Confrontados com a questão sobre se o PCP está em crise, quer em crise política, ideológica ou crise de direcção, António Gervásio responde directamente que não e que a Festa do Avante foi a maior demonstração de que o partido não está em crise.
Todavia, novamente, um grupo de destacados dirigentes comunistas têm vindo para a praça pública contestar a actual direcção.

A.G – Esta questão dos chamados reformistas ou renovadores tem tido o apoio da comunicação social. Estes membros do partido defendem uma outra teoria, de que o partido deveria deixar de ser marxista-leninista, defendendo um outro funcionamento, um outro método de eleição dos seus órgãos dirigentes, uma concepção que consiste em alterar toda a matriz ideológica, de classe, todos os princípios e apresentam-se à opinião pública como vitimas de perseguição e de delito de opinião, num partido onde sempre houve as opiniões mais disparatadas e nunca ninguém foi sancionado por ter opiniões diferentes. Todos têm direito a ter a sua opinião e a defende-la, desde que não entrem em trabalho fraccionário, foi sempre assim e será assim. Agora, este grupo tem um trabalho fraccionário organizado dentro do PCP.
Por que razão os renovadores têm pressa em realizar um novo Congresso, quando o último foi há dois anos e prazo para a realização do próximo está definido nos estatutos do partido?

A.G. – Em primeiro lugar para ganhar tempo e para a gente se entreter com estas coisas e poderem ter a esperança de mudar alguma coisa. No último Congresso já puseram as opiniões deles, bateram-se ali por elas, mas foram rejeitadas. Em 1300 delegados não chegaram a 100 os que se abstiveram e votaram a favor. Isto não tem impacto dentro do partido, mas faz mal e nas últimas eleições fomos prejudicados por isso.
As pessoas não sabem como é que funciona o PCP e pensam que não se pode ter opiniões diferentes. Claro que pode e têm o direito de ter, que está assegurado nos estatutos.

A.P. – Mais uma vez, nesta questão, os órgãos de comunicação social, fazedores de opinião, e os grandes grupos económicos, dão sobre esta questão uma imagem que pode vir a debilitar o partido, dando voz a este pequeno grupo e não a todo o trabalho de luta do partido, de organização nas fábricas, nos campos, na Assembleia da República.
Em todos os lados onde está presente a actividade do partido, não há uma palavra na comunicação social e só é dada ênfase a estes, como se eles representassem alguma coisa. Para quem esteja menos informado politicamente, pensa que é aquele o clima que se vive dentro do partido. Não é verdade nem nunca foi. É muito forçado chamar a isto uma crise, a imagem que se transporta para o exterior aparenta uma crise, mas na prática, a vida do partido é do mais normal que pode haver.

A sociedade em que hoje vivemos, é uma desilusão, principalmente para quem viveu toda a vida ligado ao PCP, com uma visão de sociedade própria do PCP?

A.G. – Não, não é. Quando olho para o meu partido vejo que o XVI Congresso trouxe uma fornada de jovens para o partido, mas todos com a consciência do seu papel, da sua responsabilidade. Olhando para a sociedade, vejo-a por isso com uma certa alegria.

Mas acha essa sociedade próxima do socialismo ou cada vez mais afastada?

A.G – Nessa perspectiva não. Vamos ter anos duros e negros pela nossa frente, lutas muito duras, por que o imperialismo está livre, faz o que quer, atreve-se a destruir países, o que parece impossível. No nosso país, ou no mundo, não vejo grandes perspectivas. A luta vai-se agudizar, a História não anda para trás, às vezes anda aos ziguezagues, mas sempre caminhando para a frente.
Hoje, o capitalismo tem uma capacidade de alienar as pessoas para o consumismo, para uma vida fácil, para o dia-a-dia, onde não se pensa em nada. O que se vê é uma desumanização da própria sociedade, onde cada um quer é ter um bom carro, e não pensa nas questões sociais, na solidariedade.

A História é uma luta de classes?

A.P. – É isso mesmo. A história é uma luta de classe e terá sempre a pressão de um lado e do outro. Haverá sempre uma força dominante. Neste nosso mundo é o dinheiro, é ele que manda, que impõe ao poder político a sua vontade. Um equilíbrio raramente haverá.

No livro “Até Amanhã Camaradas”, Rosa diz a Vaz, “temos que fazer um mundo novo”, esse continua a ser um objectivo do PCP?

AG – Exactamente, se não, não fazia sentido sacrificar tanto a nossa vida familiar, profissional, se não tivéssemos essa perspectiva. Não será já no nosso tempo. Muitos queriam ver derrubar o fascismo, não viram, mas outros viram. Eu já não vejo o socialismo no meu país, mas tenho a certeza que é para aí que a Humanidade caminha.
A Humanidade não precisa de homens a explorar outros homens, não precisamos disso, queremos outra vida sem ser explorados, uma vida melhor, cada vez trabalhar menos mas produzindo mais, com novas tecnologias. Eu não luto por uma sociedade burguesa, não espero que os capitalistas se democratizem e vão ceder mais regalias e mais direitos aos trabalhadores. É preciso transformar esta sociedade, para acabar com os erros a que hoje assistimos.
Estas são as minhas convicções políticas, assentes na história da vida.

A.M. Santos Nabo
antonio.nabo@sapo.pt

Novembro, 2002

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