UM DISCURSO ANTI-COMUNISTA NA ASSEMBLEIA NACIONAL EM 1959

(Reproduzido de ESC, 1ª versão)

O discurso que reproduzimos a seguir, de autoria de André Navarro, constitui uma exaustiva análise da história e política do PCP, vista pelos olhos de um responsável do Estado Novo. Navarro foi deputado, governante e dirigente da Legião Portuguesa e nesta última qualidade tinha acesso às informações “históricas” da PIDE e da Legião, que utiliza no seu discurso.

O discurso encontra-se no endereço da Assembleia da República de onde retiramos o texto corrigindo alguns dos erros de ortografia e de datação mais importantes.

Diário das Sessões da Assembleia Nacional, VII Legislatura 114, 2/6/1959O Sr. André Navarro: – Sr. Presidente: está ainda bem presente na nossa retina a admirável manifestação da tarde de 28 de Abril, manifestação de fé nos destinos de Portugal, e será também difícil esquecer, nessa memorável jornada patriótica, a fisionomia de plena confiança no futuro dessa multidão infinda – fisionomia do mais puro e devotado agradecimento ao grande construtor do Portugal contemporâneo.E quando nos lembramos de que nessa atitude colectiva de amor e de paz sé simbolizam as grandes virtudes do povo português, bem expressas nas admiráveis cerimónias em honra de Cristo-Rei, mais se desenha em todas as almas bem formadas o contraste com certas máscaras de ódio de conhecida populaça revolucionária e dos seus responsáveis instigadores- untes que, vivendo dentro ou fora dos nossos muros, realizam há muito, segundo normas e métodos dissolventes adequados, um profundo trabalho de dissolução social.
Têm-se imiscuído esses perniciosos agentes das forças internacionais comunistas e maçónicas no seio do honrado e devotado funcionalismo técnico e administrativo do Estado e das organizações corporativas e também ainda em algumas empresas privadas, especialmente – e parecerá esta verificação um contra-senso – naquelas que melhor vêm remunerando o seu pessoal, lançando e espalhando, sistematicamente, aleivosias e boatos, de mistura com anedotas de finalidade preconcebidamente demolidora; levam a cabo vasta acção psicológica, criando um clima de incertezas susceptível de provocar as fugas do capital, desviando este de investimentos de maior risco, anos de maior improdutividade, para outros mais seguros mas de menor interesse social; procuram também nos locais, de trabalho – escolas, oficinas e campos- provocar perturbações, dissídios e desordens e ainda movimentos precipitados de natureza reivindicativa; divulgam, por outro lado, através de publicações várias, as belezas enganadoras do paraíso soviético, de resto nunca por eles vivido, bem como das escravizadas comunas colectivizadas da China Continental ; propagam por via de edições de baixo preço erradas doutrinas, que conduzem à dissolução dos vários elementos de estrutura das sociedades; recitam incríveis poemas das glórias de lutas desleais que têm sacrificado muitas centenas de mulheres e de crianças indefesas nesse admirável país que é obra da imortal França nas paragens norte-americanas; cantam as vitórias de «fideis» e «infideis» vários que têm reconstituído, no século que decorre, bárbaras cenas do Coliseu de Roma, ultrapassando em muito os desvarios que dizem combater; servem-se dos escritos da imprensa clandestina, do Avante!, de O Militante e doutros pasquins, para divulgar escritos não menos irresponsáveis; utilizam o cinema, nos clubes ou fora deles, para confundirem, com belas imagens panorâmicas, o triste cenário da escravatura de todas as cores, e ainda a rádio, para o- sistemático elogio dos seus valores – digo melhor dos que dedicam a sua acção demolidora aos domínios das letras, das artes e das ciências; valores aparecidos, decerto, par via de geração espontânea, já que neste país, sujeito segundo afirmam a uma clorose, demolidora das manifestações do espírito, eles não poderiam ter evoluído até atingirem a maturação actual.
O Sr. Ramiro Valadão: – Muito bem!
O Orador: – Levam mesmo a cabo, quando o ambiente. é propício, acções subversivas de vária índole, como aquelas a que assistimos no decorrer do período eleitoral de Maio-Junho de 1958, seguidas pela vaga de greves de natureza política que surgiram em diferentes regiões do País e que abortaram, logo no seu início, um face da pronta reacção da grande maioria dos trabalhadores patriotas e de consciência sã.
Apertam ainda, como se fossem velhos amigos, as mãos honradas daqueles homens bons que lhas estendem, ingenuamente é um facto, numa atitude sincera de desejo de conquistar mais almas para o Reino de Deus, pois assim esperam conhecer melhor os recônditos das almas puras para, quando soar a hora da destruição, poderem vibrar golpes mortais no elevado mundo do espírito.
Tudo processos, em suma, para criar climas de agitação e situações emocionais das massas favoráveis aos seus desígnios estratégicos e tácticos.
Eis, em suma, a ofensiva a que estamos assistindo, ofensiva de uma guerra fria movida pelo império moscovita nos mais variados campos, concebida por diabólicos e hábeis estratagemas; guerra que tem consumido, nesta última década, somas avultadas de dinheiro dos trabalhadores, a maior parte dele sugado a essa multidão de escravos que labuta em cerca de um terço da superfície do globo – fruto, digo, da espoliação de operários húngaros, checoslovacos, polacos, búlgaros, romenos, lituanos, estonianos e letões e dessas dezenas de milhões de russos, ucranianos, arménios, caucasianos e tantos outros povos hoje vivendo vida mais dura que nos tempos ainda não esquecidos dos autocratas de todas as Rússias.
E já não falamos desse Celeste Império, submetido, em escala nunca vista, por leninistas ortodoxos preparados nas escolas soviéticas, a um sistema de industrialização forçada que toca as raias do desumano. colectivização e materialização da vida levada à última, expressão do retrógrado com a supressão dos próprios laços da vida familiar; regresso da vida humana u formas primitivas, acentuado aí, nas suas consequências trágicas, pela degradação do meio físico, sujeito, a milénios de intenso uso.
Eis a ofensiva monstruosa em que colaboram também, com quantias avultadas e achegas várias, alguns magnates do sórdido capitalismo internacional – o temos por cá alguns, embora felizmente raros, exemplares dessa fauna bem conhecida no mundo da iniciativa privada, esperançados talvez em conquistar a boa vontade da gente trabalhadora para a continuação da sua vil acção parasitária.
E, perante tais atitudes, apenas, como sempre tem acontecido, a nossa perigosa benevolência e o esquecimento a curto prazo, logo que as situações se tornam menos vivas, dos ataques desses lobos sequiosos de sangue e de outros, não menos perigosos, disfarçados de mansos cordeiros.
Destina-se este escrito a pôr de sobreaviso «neutralistas» – incautos uns, embora por vezes bem intencionados, e também alguns amantes da demagogia fácil, cujas atitudes têm concedido, por vezes, fortes- achegas ao inimigo. Os que lutam sempre cheios de fé do mesmo lado da barricada não necessitam da nossa palavra esclarecedora.
O que passamos a dizer demonstrará, porém, que é necessário combater sem descanso, numa frente bem unida, o inimigo-comum, nos mais variados sectores da sociedade. E preciso: o dos falsos intelectuais aparentemente inocentes, mas profundamente dissolventes do mundo do ‘espírito, que assentaram já há longo tempo arraiais nas escolas, nos oficinas e no campo, com a satânica missão de deformar essa multidão de jovens indefesos, que o excepcional desenvolvimento cultural e económico do País atirou nestes últimos vinte anos para um nível onde a maturação intelectual e social, que exige sedimentação calma, não pode ainda ter dado expressão definitiva; são ainda esses ingénuos pastores também, apostados em constituir grandes rebanhos onde lobos- esfaimados, difíceis de saciar, possam viver em boa paz com a multidão de mansos cordeiros.
O mundo das gerações que despontam para a vida não admite, presentemente, na realidade, mais do que dois partidos, e estes não são também conciliáveis: o dos que são pela Nação e o dos que são contra ela.
E neste momento o império soviético está desferindo os seus mais rudes golpes de uma guerra fria sobre os principais baluartes da defesa ocidental.
Vejamos, assim, para melhor compreensão da estratégia e dos noções tácticas do inimigo -única forma de se organizar solidamente a nossa defesa-, o processo evolutivo em que se enxerta a acção comunista contemporânea.
Não constitui segredo para ninguém a existência de um movimento de índole comunista em Portugal. Qualquer observador atento às nossas realidades político-sociais pode verificar, na verdade, diversas manifestações dessas actividades subversivas.
Da leitura, mesmo que superficial, da imprensa clandestina comunista reconhece-se também imediatamente o grau de subserviência em que se encontram os seus agentes perante os dirigentes soviéticos.
Os panfletos clandestinos são na realidade, salvo raras excepções, simples traduções, por vezes inadaptadas ao nosso ambiente político-social, de publicações congéneres soviéticas, e em todas as palavras de ordem que difundem, declarações que proferem ou comentários que contêm encontra-se sempre marca inconfundível da direcção suprema do Kremelin. Os comunistas em Portugal não tentam assim, no prosseguimento de uma política subversiva, utilizar uma táctica de acção própria, não tomando qualquer posição definida sem terem prévio conhecimento da aprovação dos seus chefes moscovitas. E essa dependência total tem-se manifestado tanto mais claramente quanto mais decisiva se tem revelado a política nacional na intransigente defesa da civilização do Ocidente.
Vejamos um pouco de história deste movimento, para melhor nos apercebermos do sentido actual da sua evolução.
Desde que se constituiu, em 1921, o movimento comunista português procurou ligar-se desde logo estreitamente a Moscovo. E, assim, durante o período de 1921-1929 foram várias as delegações que partiram com rumo à capital da Rússia Soviética, quer por ocasião dos congressos do Komintern, quer ainda dos aniversários mais destacados da história do bolchevismo. Aí beberam as primeiras palavras de ordem. Como pagamento de visitas, o nosso país foi também visitado algumas vezes por vários agentes do aparelho internacional do Komintern.
Em 1929, depois da reorganização que o então secretário-geral Bento Gonçalves imprimiu ao movimento comunista, este começou a intitular-se oficialmente Secção Portuguesa da Internacional Comunista (S.P.I.C.). As principais organizações satélites que criou então eram apenas secções portuguesas de organizações satélites comunistas internacionais: Comissão Intersindical (C.I.S. – secção portuguesa da Profintern), Federação Juvenil Comunista Portuguesa (F.J.C.P. – secção portuguesa da Internacional Juvenil Comunista), Liga dos Amigos da U.B.S.S., Liga contra a Guerra e contra o Fascismo e Socorro Vermelho Internacional. E em grande parte estas organizações satélites foram estruturadas com a ajuda eficaz de agentes estrangeiros. Em 1934, uma delegação portuguesa, presidida por Álvaro Cunhal, então secretário–geral da Federação Juvenil Comunista Portuguesa, foi de novo a Moscovo participar no VI Congresso da Internacional Juvenil Comunista e no ano imediato uma delegação presidida pelo secretário-geral Bento Gonçalves deslocou-se à U. B. S. S. para assistir ao Vil Congresso do Komintern e recebeu então pessoalmente de Dimitroff as directrizes para o trabalho subversivo a realizar em Portugal e, em especial, as normas para a criação de uma Frente Popular e ainda para a infiltração de elementos comunistas nos sindicatos nacionais e em outras instituições recém-criadas. A leitura da imprensa comunista da época revela bem como este movimento antinacional procurou atingir estas finalidades.
Com o desencadeamento da guerra civil de Espanha este movimento antinacional adquiriu, como era de prever, uma importância bastante maior no seio do comunismo internacional. Assim, o Bureau Latino do Komintern impôs, instruções precisas a respeito das tácticas a seguir em Portugal durante este agitado e crítico período para a civilização ocidental, período que o comunismo russo antevia como muito frutuoso para a sua estratégia.
Eram elas, entre outras, as seguintes:
a) Criar na opinião pública nacional um estado de espírito de simpatia pela luta dos vermelhos espanhóis, procurando esconder a origem comunista do movimento, para apenas realçar a luta pelos ideais democráticos;
b) Ajudar por todos os processos as milícias armadas dos comunistas espanhóis e as brigadas internacionais;
c) Sabotar qualquer eventual ajuda às tropas nacionalistas ;
d) Procurar estender ao nosso país a guerra revolucionária que se desenrolava já no país vizinho.
Para dar maior força a estas instruções, deslocaram-se especialmente a Portugal alguns agentes importantes do comunismo internacional, entre os quais um de pseudónimo «Pavel», que tomou virtualmente nas suas mãos a direcção do movimento comunista português. Por outro lado, outros dirigentes comunistas continuaram a seguir clandestinamente para a Espanha vermelha, e entre eles o Dr. Álvaro Cunhal, este tendo ido a Madrid especialmente com a missão de reunir os emigrados políticos portugueses numa única frente a favor do que dizia «a causa dos republicanos espanhóis». Aí tomou parte activa na noção das criminosas brigadas internacionais, que prenderam e assassinaram milhares de nacionalistas espanhóis. Que conste, foi essa então a única missão realizada com êxito por esse destacado dirigente.
Porém, continuava a ser preparada pelos comunistas portugueses, em grande parte, a execução das ordens moscovitas. E, assim, na madrugada de 8 de Setembro de 1936, rebentou a revolta de duas unidades navais roo Tejo e verificaram-se os atentados bombistas do dia 20 de Janeiro de 1937, bem como o planeado para o dia 4 de Julho do mesmo ano, todos eles decididos pela direcção internacional do movimento comunista. Dizemos em grande parte, porque nos dois últimos actos subversivos colaboraram também alguns elementos anarco-sindicalistas.
Mas a Polícia de Defesa do Estado estava vigilante. Foi prendendo, sucessivamente, todos os dirigentes do movimento antinacional português, quer nascidos em território pátrio, quer estrangeiros, e assaltando as sedes do movimento e as tipografias clandestinas. E assim é que no final do ano de 1938 podia considerar-se de facto que o movimento comunista em Portugal estava em grande parte desarticulado e tinha deixado de existir como um todo orgânico. No ano de 1939 o Komintern constatava este facto, isto é, que o movimento comunista português não tinha cumprido as intruções que lhe tinham sido dadas e não pudera assim defender, com suficiente vigilância revolucionária, o seu aparelho clandestino, e como consequência dessas faltas expulsa este partido do movimento comunista internacional.
O que acabamos de expor mostra bem, como já afirmámos, n estreita dependência que sempre existiu entre o comunismo português e a direcção da Internacional Comunista dominada por Estaline.
Foram assim, em última análise, os dirigentes do Kremlin, por intermédio do aparelho comunista internacional, que tentaram espalhar a desordem e a subversão na nossa terra, e se essas finalidades falharam’ isso deve-se unicamente a três factores dominantes: à alergia do nosso povo a movimentos antinacionais, à acção enérgica do nosso Governo e à perfeita eficiência de actuação da Polícia de Defesa do Estado:
Vozes: – Muito bem !
O Orador: – Ao deixarem-se manobrar deste modo por Moscovo, os comunistas em Portugal só mostraram mais uma vez serem apenas traidores à Pátria.
Vozes: – Muito bem!
O Orador: – Depois de 1941, isto é, depois da segunda reorganização do movimento antinacional comunista, essa atitude de traição à Pátria ainda mais se acentuou. Na realidade, o movimento que surgiu da reorganização de 1941 executou ainda mais fielmente, se é possível, as ordens de Moscovo. E, assim, o perigo que representava para a unidade e progresso social da Nação aumentou na medida em que os seus métodos de acção se foram torna ado mais eficazes, adquirindo crescentes características leninistas.
O perfeito alinhamento da estratégia e da táctica deste movimento antinacional português com a política moscovita foi então posto em foco por S. Ex.ª o Presidente do Conselho ao escrever estas palavras lapidares: «Mandaram-nos ser aqui germanófilos no começo da guerra, e foram; mandaram-nos ser aliadófilos depois, e foram. Mandaram-nos admitir a independência das repúblicas soviéticas, e admitiram-na; mandaram-nos aceitar a absorção das mesmas repúblicas, e aceitaram–na. São colonialistas para engrandecer o Estado socialista nisso e anticolonistas para diminuir o seu próprio país. Não procuremos lógica, mas obediência; não esperemos patriotismo, mas serviços a uma política estrangeira.»
Partido nacionalista estrangeiro eis o que é e foi sempre o movimento comunista português.
Vejamos agora, com um pouco mais de pormenor, como o’ movimento comunista executou nessa época subservientemente todas as viragens da estratégia soviética.
Assim, em manifestos comunistas aparecidos nos fins de 1940 e princípios de 1941 podem ler-se violentos ataques contra os imperialistas anglo-saxões e contra a guerra imperialista que a Inglaterra e a França estavam impondo à Alemanha nazi; pode ler-se ainda uma defesa calorosa da aliança germano-russa!
Porém, logo após os primeiros dias da invasão do território russo pelo exército alemão tudo se modificou como por encanto. O que interessava realçar agora eram apenas as virtudes tradicionais do povo russo e a ajuda que estava sendo dada pelas democracias ocidentais contra os tiranos nazis. Era assim necessário, segundo a propaganda russa, auxiliar por todos os meios os exércitos aliados e, em especial, o exército vermelho. E veja-se, por exemplo, apenas para notar o tom, o elogio póstumo do Presidente Roosevelt e do povo americano publicado no Avante! da 1.º quinzena de Maio de 1945.
Toda a propaganda comunista dessa época é feita assim- sob o signo da unidade aliada e, como a táctica do comunismo internacional preconizava a constituição de vastas frentes nacionais ou patrióticas de unidade antifascista, o movimento comunista português segue obedientemente essa linha de rumo e cria sob a sua direcção, em 1943, o Movimento de Unidade Nacional Antifascista, a que aderiram inúmeras personalidades demo-liberais e mais tarde os G.A.C. (grupos antifascistas de combate), verdadeiras milícias de choque preparadas para a insurreição armada e que o movimento comunista julgava então poder realizar- em Portugal, com êxito, uma vez terminada a guerra.
Todas as greves, tumultos e actos insurreccionais que se verificaram no nosso país no decurso dos anos de 1942, 1943 e 1944 podem atribuir-se assim, na realidade, a esta intenção. Em 8 e 9 de Maio deste último ano o movimento comunista português conseguia, de facto, mobilizar em grande parte a seu favor as manifestações da vitória.
Começam, porém, a surgir conflitos graves, logo após o findar da guerra, entre a U.B.S.S. e os seus aliados ocidentais. Os comunistas portugueses fazem-se imediatamente eco dessas desinteligências. E, assim, no Avante! começam a aparecer frequentemente ataques contra o imperialismo anglo-saxão e, especialmente, contra os mais destacados governantes ingleses e Norte-americanos. Assim, por exemplo, no Avante! da 2f quinzena de Abril de 1946 lê-se: «A Grã-Bretanha impõe um governo fascista ao povo grego» e «Churchill e os seus amigos procuram fomentar uma nova cruzada anti-soviética».
Esta viragem táctica do comunismo internacional inaugura o período da guerra fria. Devemos situá-lo, no que se refere ao movimento comunista português, em Maio de 1947, quando da reunião do seu comité central.
O Governo da Nação, que durante a guerra era acusado de ser hostil às democracias ocidentais, passou então a ser criticado precisamente pelo contrário. No Avante! da l.ª quinzena de Julho de 1947 já se lia:
O Governo enfeuda-se aos monopólios anglo-norte-americanos, e não hesitará em recorrer cada vez mais à ingerência estrangeira contra o povo português».
A táctica da guerra fria em Portugal desfez, contudo, a fraca unidade oposicionista conseguida através do M.U.N.A.F. e, depois do período eleitoral de 1945, do Movimento de Unidade Democrática (M.U.D.). J H os dirigentes não comunistas do- M. U. D. eram atacados como traidores num curioso folheto comunista difundido em Dezembro de 1946 e intitulado «O Partido Comunista ante algumas tendências prejudiciais dentro do Movimento de Unidade Democrática».
E esses ataques aos políticos oposicionistas intensificam-se no decurso do ano de 1948, quando se desenrolavam os trabalhos preparatórios para a apresentação da candidatura oposicionista às eleições de 1949. E hoje está perfeitamente demonstrado que a escolha definitiva do candidato da oposição foi da exclusiva responsabilidade do movimento comunista.
Personalidades demo-liberais das mais destacadas no sector da oposição, como disse, foram então grosseiramente difamadas e insultadas nas colunas dos números do Avante! dessa época; assim, o Sr. António Sérgio, por exemplo, chega a ser acusado no Avante! da 2.º quinzena de Outubro de 1949 de ser «informador da Polícia de Defesa do Estado».
Findo este período eleitoral, quebrou-se, de facto, a unidade da oposição e o movimento comunista resolveu criar uma nova organização satélite, com aparência democrática, mas inteiramente dominada por ele: essa organização chamou-se «Movimento Nacional Democrático», organização que em todas as suas manifestações, até Janeiro de 1957, data em que a direcção do partido resolveu dissolvê-la, foi inteiramente dominada pelas palavras de ordem do comunismo russo. O M.N.D. foi assim apenas mais um instrumento da política da traição à Pátria dos comunistas nascidos no solo pátrio.
Mas o predomínio da política soviética em relação ao movimento comunista português vai-se revelando cada vez mais forte. Gomo nos fins de 1948 Estaline impusesse a todos os partidos comunistas do Mundo um acto de submissão absoluta, logo os seus párias portugueses escrevem no Avante! da 2.ª quinzena de Março de 1949:
« O povo português não pegará em armas contra a URSS e o exército soviético», e ainda o se o exército soviético, perseguindo agressores, atravessar as fronteiras de outros estados será recebido como libertador».
Assim, os comunistas portugueses não hesitaram em afirmar claramente que, se Portugal se erguesse com armas na mão para a defesa das suas fronteiras contra o imperialismo totalitário soviético, eles, digo, as hordas comunistas, estariam completamente ao lado desse imperialismo.
Em 1948 Moscovo, temendo, porém, os preparativos de defesa do Ocidente, que nessa altura se começavam a esboçar, lançou o primeiro movimento dos partidários, da paz por meio da organização satélite comunista: o Conselho Mundial da Paz. Logo também a propaganda da paz passa a ser a palavra de ordem do comunismo português e também das suas duas organizações satélites – o M.N.D. e o M.U.D.J.
E em Julho de 1950 constituiu-se em Portugal a Comissão Nacional para a Defesa da Paz, após uma assembleia magna realizada numa escola particular de Lisboa.
E conforme um dos arautos dessa época, «o partido comunista português… apoia sem reservas a comissão nacional para a defesa da paz e incita todos os seus militantes e simpatizantes a apoiarem igualmente sem reservas todas as iniciativas, etc.».
Foi de facto como candidato da paz que um antigo professor da Universidade do Porto se apresentou às eleições presidenciais de Julho de 1951, o que levou S. Ex.ª o Presidente do Conselho a declarar então:
«Como se explica ser a paz almejada por todos e constituir bandeira apenas de alguns?»
Não pode negar-se a ânsia s necessidade de paz sentidas em todo o Mundo. Quem fez a guerra, quem viveu a guerra, quem directa ou indirectamente lhe sofreu as repercussões económicas ou assistiu e participou nos inenarráveis sofrimentos a que deu causa não pode deixar de querer varrê-la da face do Mundo.
Com uma ingenuidade, porém, que abona os seus sentimentos pacíficos, mas não por igual forma a clarividência da sua política, as chamadas potências ocidentais pensaram atingir aquele objectivo desarmando e desmobilizando, enquanto a Rússia adoptara o processo mais realista e seguro de multiplicar as armas e reforçar as posições, não já como política de paz, mas como base de uma política de expansionismo e de hegemonia. E, tendo acontecido que muitos factos se encarregaram de matar as últimas ilusões acerca do que ela pretenderia, o Ocidente teve de rever as suas atitudes e começou o reforço intensivo dos seus meios de defesa. Então o objectivo russo da paz passou a ser prosseguido por duas políticas contrárias: uma por força da qual a Rússia comunista e os seus satélites se armam ; outra por meio do qual se pretende que o Ocidente desarme. Esta é a política da paz, e quando prosseguida para cá do pano de ferro sinal do comunismo, bandeira da sua expansão.
E desta posição-base que havia de derivar a acção resta ate. Ninguém conhecedor dos dados fundamentais destas questões pode acreditar na possibilidade de um governo comunista em Portugal. Pouco importa; havia de fazer-se o que se pudesse. O comunismo teria de ser um dos grupos aglutinados em Frente Popular e esforçando-se através dela por dissolver e fazer ruir, desde a moral à economia, as defesas da Nação. Sem falar em comunismo, sem decretar comunismo, sem operar, as grandes reformas agrárias, possivelmente mesmo evitando as nacionalizações, se não visse preferência em promovê-las para arruinar os respectivos sectores da produção, desviando o comércio para rumos convenientes, deixando cair a força armada, abrindo as portas à espionagem organizada através de representação diplomática e consular, a política do «candidato da paz» constituiria, com graves consequências imediatas ou futuras a que nem quero aludir, o grande serviço a Moscovo. Ela abriria uma falha no dispositivo ocidental de defesa e constituiria potencialmente séria ameaça para os planos desta.
O candidato da paz é também pela liberdade, sem dúvida a liberdade de preparar a sujeição a Moscovo. Mas, preparando e aceitando esta, evitaria ao menos a guerra? Meu Deus! Não. Tal política colocava-nos, pela sua cegueira, precisamente dos objectivos da luta, com o gravíssimo inconveniente de nos colocar do lado contrário àquele em que se situam os nossos interesses permanentes.
Contudo, a recolha de assinaturas para a propaganda da paz não foi apoiada com interesse por outros sectores da oposição demo-liberal e o Avante!, na sequência rígida da- política moscovita, inicia, como era fatal, o ataque contra todos os políticos que se recusaram, diga–se de passagem, patrioticamente, a fazer o jogo soviético.
A luta entre comunistas e não comunistas no seio da oposição acentuou-se então no período eleitoral de Outubro e Novembro de 1953. Novamente conhecidos oposicionistas são insultados no Avante! e entre eles o candidato às eleições de Fevereiro de 1949 e que se tinha submetido por completo ti sua política.
Entretanto tinha-se dado um facto da maior transcendência para o movimento comunista internacional: a morte do grande ditador de todos as Rússias, o marechal Estaline, anunciada ao Mundo em 5 de Março de 1953.
Em toda a imprensa clandestina portuguesa, exactamente como na, imprensa soviética, Estaline tinha sido até então incensado com os mas extravagantes elogios.
Na mensagem de condolências que o comité central do movimento comunista português enviou ao comité central do partido comunista da União Soviética e publicado no número especial dedicado a Estaline (n.º 176, de Março de 1953) lia-se, por exemplo:
A vida radiosa do grande e amado filho do povo soviético, do forjador, juntamente com Lenine, do invencível partido comunista da União Soviética, do seguro condutor das massas revolucionárias nos dias decisivos do grande Outubro, do genial estrategista do exército soviético na luta vitoriosa contra os intervencionistas, guardas brancos e invasores hitlerianos, do incansável defensor da pureza dos sólidos princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário, do sábio construtor da sociedade socialista e genial construtor do comunismo – a vida de Estaline é um exemple magnífico, um incentivo poderoso e uma força mobilizadora das vastas massas populacionais na luta pela paz e pelo comunismo».
E na mensagem acrescentava-se:
«O partido comunista português garante aos trabalhadores portugueses e aos partidos comunistas irmãos que se manterá fiel aos ensinamentos de Lenine e de Estaline … e que o povo português não participará numa guerra contra a União Soviética».
Mas em Fevereiro de 1956 realiza-se o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e Krustchev é o novo chefe e o movimento comunista português procura logo mostrar v subserviência perante o novo secretário-geral, como se reconhece pelos artigos escritos nos n.os 209, 211 e 212 do Avante! Em todo o caso, o movimento antinacional procura ainda esconder os ataques que 110 XX Congresso se fizeram contra Estaline. Mas é inútil essa tentativa; no Avante! da 2.ª quinzena de Julho de 1056 já é clara a nova posição perante o novo ditador do império moscovita. E, assim, escrevia-se:
«O camarada Estaline não era um comunista modesto … Estaline violou a legalidade socialista e permitiu que um bando de criminosos chefiado pelo traidor Béria (Béria, que o Avante! anteriormente tanto tinha, incensado) se servisse de uma tese falsa para cometer toda uma série de crimes e aniquilar bons militantes do partido e cidadãos soviéticos honrados, etc.»
Com a morte de Estaline terminou o período táctico do comunismo internacional que ficou sendo conhecido com u nome de «período de guerra fria»; isto não significa que ela ainda hoje nau se mantenha, embora com outros aspectos s designações. Mas os dirigentes do Kremlin, a pretexto da destalinização e da coexistência pacífica, estabeleceram um novo rumo táctico em que. procuram desagregar as potências ocidentais pela formação de amplos movimentos de unidade política e sob a direcção camuflada dos respectivos partidos comunistas locais. Essa nova táctica revolucionária foi iniciada pouco tempo depois da morte de Estaline e plenamente defendida por Krustchev no XX Congresso do Partido Comunista Russo.
Em Portugal o movimento comunista inaugura, também, logo que recebe instruções nesse sentido, um período táctico semelhante ao «de unidade ampla». Para esse «feito é convocada, em, Agosto de 1950, uma reunião clandestina do comité central, que os comunistas designam por II Reunião Ampliada, a partir da qual começa de facto a viragem decisiva. Até essa data, como foi dito, os comunistas mantiveram uma política, de dureza dentro do movimento oposicionista; todos aqueles políticos oposicionistas que não estivessem resolvidos a aceitar o seu comando eram, como vimos, insultados na imprensa clandestina. A posição do movimento comunista português perante os netos eleitorais era sempre a mesma: abstenção! E todos os que não concordassem com esta posição eram denunciados como «inimigos do povo» e «agentes do fascismo ou do imperialismo norte-americano».
Depois da VI Reunião Ampliada a táctica modifica–se por completo. «O partido preconiza desde então a ida às eleições», e para ter êxito esta nova política aconselha um largo entendimento entre todas as correntes antinacionais, «com vistas á condução da batalha eleitoral».
«Que as massas populares, em especial a classe operária, se Lancem ardorosamente na batalha eleitoral», diziam, e «se organizem em comissões eleitorais nas cidades, nas vilas e aldeias, nas fábricas e nos campos, em toda a parte. A criação de uma vasta organização de massas constitui a mais sólida base de apoio de uma campanha eleitoral séria», afirmam os seus órgãos clandestinos.
«Que se trave desde já luta acesa pela mais ampla liberdade de propaganda e reunião durante a campanha eleitoral e pela fiscalização das eleições pula oposição».
«Que as massas populares se lancem abertamente na luta por reivindicações económicas e políticas de toda a espécie».
A reivindicação aparece assim unicamente como um simples método de agitação, e não como objectivo de obter qualquer melhoramento social. E, como era de esperar, começam também sensíveis corações neutralistas a pulsar em uníssono ao ritmo marxista. E em que condições se estabeleceria a desejada unidade?
Estas condições foram determinadas na reunião clandestina do comité central de Maio de 1956, após, como se disse na sua imprensa clandestina, «a luminosa análise do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética ter trazido uma contribuição decisiva», eufemismo, que significa apenas normas totalmente impostas por Moscovo.
Mas como seria possível atrair claramente os democratas oposicionistas não comunistas a este a vá s to movimento de unidade.» depois dos insultos que lhes foram dirigidos nas colunas do Avante!? O próprio Avante! reconhece que «a unidade não seria fácil, mas era necessária» (Avante!, 2.ª quinzena de Fevereiro de 1957). Para isso, o movimento antinacional tenta:a) Desenvolver toda uma dialéctica de atracção – e é interessante a este respeito citarem-se algumas, das inúmeras palavras de ordem que aparecem na imprensa comunista para captar ingénuos e inocentes:
«A todos os democratas! A todos os anti-salazaristas! A união faz a força, o que divide enfraquece!» (Avante! n.º 226, 1.ª quinzena de Janeiro de 1957).
«Hoje e sempre lutaremos pela unidade nacional» (Avante! n.º 230, 1.ª quinzena de Março de 1957).
«A unidade da classe operária é uma necessidade histórica» (Avante! n.º 232, l.ª quinzena de Abri de 1957).
«Não nos deixemos arrastar para uma luta entre monárquicos e republicanos. Unamo-nos uns e outros contra Salazar» (Avante! n.º 237, 2.º quinzena de Junho de 1957).
«Por um bloco eleitoral anti-salazarista. A unidade é necessária. Organizemos a luta eleitoral. Em cada distrito uma só lista da oposição contra Salazar» (Avante! n.º 238, 1.ª quinzena de Junho de 1957), etc.
b) Fazer, por outro lado, uma «autocrítica» à sua actuação passaria, afirmando que errou e que esse erro se deve em grande parte ao «culto da personalidade», que em Portugal se traduziu pelo «culto do secretariado» e ainda pela «falta de direcção colectiva».
Nas «conclusões e decisões do comité central» na sua reunião clandestina nos princípios de 1907 e publicadas em O Militante de Fevereiro desse ano pode ler-se:
«O comité central conclui que no nosso partido existiu, a par do culto da personalidade em geral, o culto do secretariado em particular».
E esse artigo conclui que foi o culto da personalidade do secretariado o maior responsável pela atitude intransigente do partido perante os democratas, oposicionistas não comunistas desde 1948. São estes os primeiros acenos de amor ao demo-liberalisino republicano e monárquico.
Afirma-se mais nesse manifesto:
I) «Coube ao partido comunista da “União Soviética o grande mérito de contribuir decisivamente para a eliminação do culto da personalidade e das suas consequências ao descobrir e denunciar as raízes históricas e ideológicas deste fenómeno estranho do marxismo-leninismo. O grande mérito de armar ideologicamente os partidos comunistas e o movimento operário internacional contra esta grave deformação dos princípios do marxismo-leninismo coube ainda ao partido comunista da União Soviética com a discussão traçada no XX Congresso e a publicação da «Resolução sobre a eliminação do culto da personalidade e das suas consequências, cujo estudo atento se recomenda a todos membros do nosso partido».
II) «… o comité central do partido comunista, português aprova a declaração da comissão política do comité central do nosso partido que reafirma a sua confiança, no partido comunista da União Soviética e no seu comité central ante a sua posição leninista e mostra o seu reconhecimento pela sua preciosa contribuição ao movimento operário internacional e au nosso próprio partido ao denunciarem o culto da personalidade e as suas consequências e. au rectificarem-se algumas das suas teses que não eram acertadas»
III) «Coube ainda ao XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética o mérito de não ter ensinado a compreender o erro dogmático …»
Não se pode ser mais claro, de novo, sobre o comando que o partido comunista da União Soviética continua-a exercer em todos os movimentos dos comunistas portugueses.E esta autocrítica foi a forma hábil de se efectuar a viragem para a política de atracção dos oposicionistas demo-liberais. Foi o estender e o primeiro apertar de mão.
E como epílogo de um período táctico não se hesitou, como, de resto, é costume, em lançar às feras, como principal responsável pelo desvio, o Prof. Rui Luís Gomes, que, a como representante dos sectores mais radicais das forças democráticas, não podia, como não pode realmente, agrupar à sua volta todas as correntes políticas interessadas numa mudança de regime», segundo se diz em O Militante n.º 91. Em necessário, de facto, ampliar os horizontes do paraíso soviético até onde pudessem caber tantos democratas desejosos da paz social oferecida pela Rússia a todos os contrários ao culto da personalidade.
E assim se alargou o ambiente de recepção para mais umas centenas de candidatos suicidas.
O movimento comunista planeava assim o estabelecimento de «uma nova posição em relação aos próximos actos eleitorais», de harmonia com a qual, este movimento antinacional pudesse «aceitar a ida às eleições sem exigência prévia de condições mínimas», sendo ainda fundamental que se estabelecesse um largo entendimento entre todas as correntes oposicionistas, com vista à condução da batalha eleitoral. A criação de uma ampla frente eleitoral à volta de um programa mínimo, abarcando não somente os democratas da esquerda e da direita,- era assim a directriz da nova táctica do comunismo internacional.
E para tal era preciso que se desenvolvesse uma luta activa por reivindicações económicas e políticas de toda a espécie.
Surgiram assim palavras de ordem da seguinte índole:
Luta pelo aumento imediato de salários, jornas e vencimentos.
Luta contra os elevados impostos.
Luta contra os monopólios.
Luta pela elevação do bem-estar material do povo português.
Luta contra a censura.
Luta por uma amnistia imediata a todos os presos políticos e sociais.
Luta pela defesa da paz.
Sérgio Vilarigues, sob o pseudónimo de Amílcar, afirma que esta condição seria decisiva para elevar a combatividade das massas populares e para enfraquecer e desagregar a infra-estrutura nacional, garantindo assim a participação de uma larga massa de indivíduos no acto eleitoral.
Para realizar estes diabólicos desígnios o movimento decidiu, como disse em Janeiro de 1957, dissolver o desacreditado M.N.D. (Movimento Nacional Democrático), encabeçado pelo Prof. Rui Luís Gomes, instituído em Fevereiro de 1949, após a queda do Movimento de Unidade Democrática (M.U.D.).
Como; porém, o partido não poderia manter-se nem agir sem organização nem quadros, era necessário também estabelecer nova estrutura e enquadrar os seus elementos militantes. Assim, foi logo preconizada a formação de «comissões eleitorais nas cidades, vilas e aldeias, nas fábricas e campos, e em toda a parte», no decurso do espaço de tempo que medeia entre Outubro de 1957 e a campanha presidencial do Verão de 1958.
Foi assim que, num manifesto comunista publicado nessa altura, se dá notícia dos funcionários da nova estrutura orgânica das forças antinacionais.
Assim propunha-se:
1.º A imediata constituição de comissões cívicas eleitorais em todos os distritos;
2.º A promoção, em breve prazo, de assembleias distritais oposicionistas para a aceitação dos candidatos da oposição;
3.º A urgente organização dos serviços eleitorais de cada distrito;
4.º A constituição dê unia comissão cívica eleitoral nacional, formada por um candidato de cada uma das listas da oposição que forem apresentadas ;
5.º A oportuna convocação pela comissão cívica eleitoral nacional de uma assembleia oposicionista do escalão nacional.
Estas palavras constituem matéria elucidativa para definir as características indiscutivelmente comunistas do movimento oposicionista que haveria de arregimentar tantos e tantos demo-liberais das esquerdas e das direitos.
Terminada a campanha de 1907, o movimento comunista prepara-se para a nova campanha eleitora] de 1958, para ele a mais importante, pois tratava-se de conseguir êxito no golpe de Estado constitucional. A táctica continua, porém, a ser a mesma. Mas agora aparece um elemento novo – um militar já conhecido pela inconstância das suas ideias políticas, mas que tinha dentro da sua carreira exercido funções de algum vulto no País e no estrangeiro. E, assim, no decorrer do período de preparação eleitoral, e mais tarde no decorrer dele, realizou o movimento comunista um hábil trabalho de Aglutinação das forças dispersas do demo-liberalismo português.
Porém, num manifesto reproduzindo uma declaração da comissão política do comité central do movimento comunista, datada de 7 de Fevereiro de 1958, e intitulada «Ao povo português, sobre as eleições à presidência da República», a candidatura do referido militar ainda era severamente condenada, pelo movimento comunista, denunciando-a até como uma manobra de divisão das forças salazaristas.
Assim, podia ler-se nesse documento:
«O general Humberto Delgado é o tipo de candidato que não interessa às forças da oposição. Ele tem sido desde sempre adepto de Sal azar e defensor do regime fascista. Igualmente tem insultado e caluniado publicamente a democracia …».
«Nestes últimos meses, depois do seu regresso dos Estados Unidos, onde ocupou altos cargos de confiança dos Governos norte-americano e Português, o general
Humberto Delgado foi empossado de novo em altos
cargos e missões que mostravam que continuava a ser homem de confiança do regime e dos imperialistas americanos e ingleses …».
«O partido comunista português penso que a candidatura do Sr. General Humberto Delgado representaria um grande prejuízo para a causa democrática e anti-salazarista. Uma tal candidatura corresponderia aos objectivos divisionistas s antidemocráticos dos salazaristas e dos seus patrões americanos».
«Estas são as razões mais do que suficientes para que o partido comunista português se pronuncie contra a candidatura do general Humberto Delgado …».
Neste documento, que se refere várias vezes ao «general fascista», o movimento comunista português sugeriu ainda a escolha de «um candidato democrático que se apoiasse num forte movimento eleitoral de massas, para cortar o passo aos aventureiros políticos e assegurar êxito às forças da oposição».
A atitude dos comunistas é então clara: contra o general fascista!
Há, contudo, neste texto a que acabamos de nos referir uma pequeno passagem sobre a qual convém chamar u atenção, porque, apesar dos ataques dirigidos contra o referido militar, entreabre uma parta para uma possível aproximação com ele. Assim, reza o texto referido.
«Se entretanto o general Humberto Delgado desejar enfileirar ao lado dos anti-salazaristas, se deseja uma mudança de regime e de governo, que o mostre publicamente, por palavras e netos …».
Algumas semanas mais tarde, após várias tentativas de elementos grados do falhado demo-liberalismo português, o movimento de oposição democrática decidiu escolher como candidato da oposição às eleições para a Presidência da República um cidadão, advogado e artista – o Dr. Arlindo Vicente. E os comentários do Avante! continuam a manter-se desfavoráveis para o general. Censura-lhe entoo asperamente ter exercido «funções dirigentes na milícia fascista da Legião Portuguesa»: Todavia, a linguagem é já um pouco mais conciliante e os apelos mais insistentes: «Não quer em as atribuir-lhe intenções ditatoriais de tipo fascista – escreve-se -, mas 03 objectivos da sua candidatura não são claros». Mais adiante, em caracteres destacados: «Isto significa que, apesar de não ter sido possível um entendimento entre as força democráticas e anti-salazaristas para a apresentação de uni único candidato, é possível unirem-se agora na luta. por objectivos que sejam comuns às duas candidaturas e a todos os
anti-salazaristas».
O número seguinte do Avante! (n.º 254, da l.ª quinzena de Maio de 1958) não contém já um único ataque contra Delgado e renova, pelo contrário, os insistentes apelos para uma acção comum.
A estes apelos o já referido militar não ficou insensível e os necessários contactos foram estabelecidos para uma acção comum. Um bloco eleitoral único foi então constituído após a retirada estratégica da candidatura do Dr. Arlindo Vicente, e o movimento comunista apoia com calor esta decisão nos seguintes termos, que se lêem no Avante! da 1.º quinzena de Junho de 1958: «A patriótica decisão de unificar as duas candidaturas oposicionistas em apoio do general Delgado, combativo candidato, etc.».
Como vemos, a autocrítica e consequente expurgo fascista demorou pouco tempo.
E a partir de então o candidato único beneficiou em toda a sua campanha do apoio total do movimento antinacional. Por ocasião das suas reuniões eleitorais o movimento comunista pôs à sua disposição todo o seu experimentado aparelho subversivo e mobilizou as milícias do Porto, de Lisboa e de outras cidades e, aproveitando hábeis reacções psicológicas segundo as regras de uma técnica já largamente experimentada noutros países, provocou as explosões emocionais e os tumultos do Porto e de Lisboa.
Logo que terminaram as eleições o movimento comunista desejou consolidar os resultados e principalmente as suas ligações com as «massas». Tentou assim mobilizar grupos de trabalhadores por meio de greves gerais. A violência da acção originou os necessárias medidas de defesa da ordem pública e o candidato oposicionista mantém-se sempre solidário com os comunistas. Honra lhe seja feita. Paralelamente, o movimento comunista multiplica as suas tentativas para dirigir todo o movimento de resistência anti-salazarista.
Em l de Julho a comissão política do convite central do partido comunista português publica mais um apelo para a unificação da resistência e criação de uma direcção única e ao mesmo tempo provoca várias perturbações no decorrer do Verão e do Outono em todo o País:
Na reunião do comité central que teve lugar em Agosto de ]958 o «camarada Freitas», pseudónimo de Jaime Serra, membro do comité central preso depois, fez no seu relatório, a crítica das greves de Junho e Julho nos seguintes termos: «a ordem de greve foi justa e oportuna, mas houve muitos erros na. sua apresentação». O movimento comunista português não podia, porém, apreciar o exacto valor da luta, das massas, porque untes de 8 de Julho não tinha organizado nenhuma luta reivindicativa de carácter económico. Além disso, a ordem de greve fez realçar, segundo Freitas, «falta de entusiasmo entre os militantes comunistas, e até nalguns quadros altamente responsáveis». Também alguns membros do partido manifestaram, segundo ele, «um sectarismo que impediu os trabalhadores de seguir em mossa o movimento». Finalmente, segundo o mesmo dirigente comunista, «o papel de motor dos comités de greve foi muitas vezes desconhecido e o movimento traduziu a grande fraqueza das organizações do partido, sobretudo na região de Lisboa».
Na l.ª quinzena de Agosto o Avante! publicava uma curta pessoal do general Delgado ao Ministro do Interior. Era o verdadeiro epílogo da triste aliança com os elementos da anti-Nação.
No começo de Dezembro o movimento comunista sofre mais um grande revés. A polícia prendeu numerosos instigadores dos movimentos do Verão e do Outono, entre os quais três membros do comité central: Pedro Soares, Joaquim Gomes e Jaime Serra (aliás Freitas), sendo este último o principal responsável pela agitação e pelas greves.
Numerosas casas clandestinas foram então também ocupadas no Porto, Coimbra e Lisboa, e entre elas um atelier tipográfico.
Entre os documentos apanhados encontravam-se listas de subscritores do partido e, facto característico, a documentação do M.N.I. (Movimento Nacional Independente), nova organização satélite comunista, que, em manifestos clandestinos, apontava como presidente o general Delgado.
O movimento comunista, deixado a si próprio, pouca importância teria ainda hoje em Portugal. O perigo reside apenas no facto de a Rússia se estar a interessar cada. vez mais pelo comunismo peninsular, e este interesse dá forças a movimentos subversivos e lança a confusão nos espíritos de alguns, atrai mesmo ingénuos e almas simples, que nada sabem sobre n espantosa tirania dos governos comunistas; desorienta alguns espíritos jovens ainda não completamente formados e alicia certos intelectuais desejosos de emoções fortes.
Não é, pois, contra nacionais que teremos de lutar; é, sim, contra os agentes das escolas soviéticas, especialistas em técnicas científicas de agitação de massas e de propaganda, que se infiltram constantemente nos mais diversos meios, provocando climas emocionais favoráveis à subversão e à insurreição, e que só têm por objectivo único lançar-nos na escravatura do imperialismo soviético.
Depois da subida do general De Gaulle ao poder, grande parte do aparelho comunista internacional deslocou-se para Roma.
Correios misteriosos, constituídos por jovens ou intelectuais de que pouco se poderia suspeitar, fazem, com frequência, viagens entre essas capitais e Lisboa, levando informações e trazendo ordens, directrizes e dinheiro.
Nas escolas de subversão de Praga s da U.B.S.S., jovens nascidos em Portugal, alguns das nossas províncias ultramarinas, seguem os cursos de subversão e aprendem as técnicas insurreccionais para semear o ódio e a guerra civil entre irmãos.
Por vezes, agentes estrangeiros do aparelho comunista internacional continuam a deslocar-se também ao território nacional. Isto aconteceu, por exemplo, durante o período eleitoral de Maio de 1958, e a decisão tomada na reunião clandestina de 2 de Maio desse ano do comité central do movimento comunista português de apoiar a reunificação das duas candidaturas da oposição foi decidida após a aprovação de um dos tais agentes que se deslocou ao nosso país como caixeiro viajante de uma casa estrangeira de aparelhagem eléctrica.
A preparação das acções insurreccionais durante essa campanha eleitoral, principalmente a da noite de domingo 18 de Maio, a propósito da sessão de propaganda da oposição a favor da candidatura do general Delgado, foi tão minuciosa que bem denunciou a intervenção de verdadeiros peritos em tal matéria.
E a traição continua. Ao XXI Congresso do Partido Comunista da União Soviética, realizado nos princípios deste ano, assistiu uma delegação comunista portuguesa e grupos de jovens comunistas e criptocomunistas aqui nascidos vão todas as férias grandes aos países para além da «cortina de ferro», indo alguns até à China Popular beber as últimas novidades dessa escravatura amarela.
Tudo isto nos mostra que a acção soviética contra Portugal não revela tendência para diminuir, antes, pelo contrário, está a intensificar-se. S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, com o seu admirável poder de antevisão, pôs bem, em recente e notabilíssimo discurso, o dedo na ferida. E é esta acção que torna extremamente perigoso o movimento comunista português, que, deixado aos seus próprios meios, rapidamente se desagregaria.
Aliás, não temos de nos admirar com isso. O comunismo, impedido de penetrar frontalmente na Europa Ocidental, procura hoje actuar nos países periféricos deste continente. Assim se explica igual actividade na Finlândia, na Grécia e na Islândia.
Mas o caso português apresenta outras características que explicam a maior intensidade do ataque do comunismo internacional sobre o País.
O regime nacional é, por sua essência, pelos seus princípios e pela forma como conseguiu os êxitos indiscutíveis da sua política, profundamente anticomunista. Fomos doutrinariamente os pioneiros do anticomunismo na Europa. Salazar é o representante máximo dessa luta. O seu exemplo é considerado, por isso, como muito perigoso para os sovietes. Daí a campanha anti-salazarista da oposição portuguesa.
Portugal não é também só esta pequena faixa atlântica da Península Ibérica. O território nacional estende-se largamente por mais três continentes. As províncias ultramarinas de Angola e Moçambique, principalmente, são bastiões fundamentais contra a infiltração comunista em vasta zona africana. Há que derrubar esses bastiões. Mas isso será impossível enquanto a política do regime for uma política nacional. Este o motivo fundamental para os comunistas quererem por todos os meios desagregar a Nação Portuguesa.
E, enquanto actuam nesse sentido, vão procurando infiltrar-se nas províncias ultramarinas. Este aspecto será tema de uma próxima intervenção nesta Assembleia.
Tenho dito.
Vozes: – Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

 

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