O debate sobre a Wikipedia tem vindo a acentuar-se no último ano, referindo-se a enorme massa de informação disponível em linha, numa dimensão sem paralelo com as enciclopédias tradicionais no papel e na Rede, assim como o seu aspecto de projecto de colaboração colectiva voluntária, sem autoria, mas também sem edição qualificada. É este último aspecto que mais reservas tem suscitado à Wikipedia como fonte de conhecimento rigoroso e cientifico, e que tem levado os responsáveis da própria enciclopédia a reforçar o seu controlo editorial. No entanto, quanto mais remoto for o tema e mais sensível do ponto de vista ideológico e político, maior é a probabilidade da Wikipedia ser o repositório não só de erros factuais graves, como de falsificações deliberadas. Um caso típico deste tipo de problemas é a entrada Partido Comunista Português.
Todo o texto é confuso, mal escrito, parece ter sido pensado ou escrito originalmente numa língua estrangeira, contém erros factuais graves e revela como um conjunto de colaborações contraditórias (pró e contra a instituição PCP e o comunismo) dão origem a um texto ideologicamente controlado, não só inútil como perigoso como fonte para qualquer leitor, estudante ou investigador que o queira usar de boa fé.
Como autor de muitos trabalhos sobre o PCP, nalguns casos os únicos existentes para determinados períodos da sua história, eu reconheço muito facilmente o que deles foi retirado, embora não haja nenhuma atribuição na bibliografia, que privilegia como fontes históricas os textos oficiais do PCP. Percebe-se que houve colaboradores da Wikipedia que tentaram introduzir alguns dados exteriores à história oficial do PCP, mas que acabaram por ser vencidos por outros colaboradores que impediram o texto de se afastar da ortodoxia. O resultado é um texto inútil e acima de tudo enganador.
Vejamos alguns exemplos (a vermelho os textos originais da Wikipedia a que me refiro)
1.
O Partido Comunista Português ou PCP, é um partido político de esquerda. É um partido comunista marxista-leninista e a sua organização é baseada no centralismo democrático. O partido considera-se também patriótico e o internacionalista.
Uma algaraviada ideológica e política inútil como caracterização. O PCP é tudo e o seu contrário.
2.
Após o fim da Primeira Guerra Mundial em 1918, Portugal caiu numa grave crise económica, em parte devido à intervenção militar na guerra. A classe dos trabalhadores respondeu ao deteriorar do seu nível de vida com uma onda de greves. Com o apoio da União Operária, cresceram as movimentações reivindicativas e, no fogo dessas lutas, a classe operária conquistou, finalmente, a histórica vitória da jornada de 8 horas de trabalho.
Errado.
3.
Em Setembro de 1919, o movimento da classe dos trabalhadores fundou a Confederação Geral do Trabalho, ou CGT. Contudo, a falta de poder político devido, por sua vez, à falta de uma estratégia política coerente entre os trabalhadores, levou à fundação da Federação Maximalista Portuguesa (FMP) em 1919. O seu principal objectivo era promover ideias revolucionárias e socialistas, e organizar e desenvolver um movimento dos trabalhadores.
Afirmação puramente de ortodoxia ideológica e não histórica.
4.
Após algum tempo os membros da FMP sentiram a necessidade de uma “vanguarda revolucionária” entre os trabalhadores Portugueses. Depois de várias reuniões em várias sedes dos sindicatos, e com a ajuda da Comintern, foi fundado o Partido Comunista Português, ou PCP, como a secção Portuguesa do Internacional Comunista (Comintern), no dia 6 de Março de 1921.
O mesmo do anterior.
5.
O quinto congresso, realizado em Setembro de 1957, foi o primeiro e único a ser realizado fora do país. Em Kiev, na União Soviética, o Partido aprovou os seus primeiros programas e estatutos.
Errado. O V Congresso realizou-se no interior de Portugal e só VI Congresso é que foi em Kiev.
6.
O congresso tomou, pela primeira vez, uma posição oficial em relação ao Colonialismo, defendendo que todas as pessoas têm o direito à auto-determinação, e deixou claro o apoio aos movimentos populares de libertação das colónias Portuguesas, como o MPLA em Angola, FRELIMO em Moçambique, e PAIGC na Guiné-Bissau.
História oficial. O anexo sobre as colónias é contraditório com os documentos políticos do próprio Congresso e é um documento que só é valorizado na história oficial pela necessidade de encontrar uma posição anti-colonial politicamente correcta antes do início da luta armada em 1961.
7.
Toda a parte respeitante a 1974-5 ilude o “PREC” e não fala no 25 de Novembro
8.
No final dos anos 80, o Bloco Socialista da Europa de Leste começou a desintegrar-se e o Partido passou por uma das maiores crises na história.
O que é o Bloco Socialista da Europa do Leste? Será que quer-se dizer que permaneceu intacto o Bloco Socialista Asiático ou Latino-Americano? Terminologia política e ideológica.
9.
Lista de Líderes: Júlio Fogaça (1942-1961)
Errado. Fogaça nunca assumiu cargos formais de liderança e o seu poder manifesta-se apenas de 1956 a 1961, sempre num clima de contestação interna.
Etc., etc.
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Este artigo é um dos candidatos a “melhor artigo da Wikipedia em português“, o que diz muito sobre a inconsistência da escolha. Esta meia dúzia de exemplos podia ser reforçada por muitos erros, omissões, falsificações noutros artigos para que este remete, desde a Cronologia do PCP para várias entradas sobre a oposição portuguesa e o sistema político-partidário nacional.
Haverá quem diga que em consequência, o que há a fazer é introduzir estas alterações na Wikipedia, corrigindo-a. Duvido que assim seja, até porque não acredito que qualquer “mão invisível” colectiva consiga escrever artigos científicos sem uma edição especializada, quer quanto ao seu conteúdo, quer quanto à sua forma, visto que a escrita narrativa é um elemento fundamental na compreensão de um texto histórico. A Wikipedia é um esforço gigantesco, bem avontadado, e que utiliza recursos que só existem hoje em linha na Rede. Mas sem um critério de validação serve pouco para o trabalho científico.
Isto da wikipedia tem que se lhe diga! Qualquer pode inserir conteúdos, que vão ser lidos como fidedignos – é uma enciclopédia (!) on line – mas muitíssimas vezes não são… e a análise de quem gere aquilo é morosa e requereria uma outra enciclopédia!
As vantagens da partilha de informação, que a internet inegavelmente trouxe, acabam por se tornar um caos informativo. O problema está na «democratização» da informação… A publicação pelo livreiro, os jornais, etc, tinham algum filtro de qualidade… agora não há filtro, e pode ter a certeza que isto não vai ter solução.
Se pensar que as democracias contemporâneas não seriam possíveis sem os media – e alguma estadização dos mesmos – imagine o que irá acontecer no futuro: os Estados vão-se tornar informativamente disfuncionais!
Lembra-se das conferências do jovem Nietzsche sobre a educação? A tese era simples: a democratização da educação traduz-se no declínio da cultura. Pois, agora nem temos educação… e somos invadidos por um caos desinformativo!
Se quer que lhe diga, tudo isto me dá gozo: espero que algo melhor que esta corrupção estruturante se erga dos escombros – sou um optimista cínico. 🙂
Saúde e muitas bloguices.
JPP não erra, sabe tudo sobre o PCP e nada do que diz ou escreve está contaminado por qualquer ideologia. Sempre que JPP fala sobre o PCP não emite um juízo de valor ou uma opinião. Essa noção arcaíca de ungido pela verdade deixa-me perplexo. Mas como eu sou um elemento recuado das massas…
Na realidade caros senhores, a wikipedia não é mesmo uma enciclopedia de autor. Prefiro assim. Prefiro que seja validada a opinião da generalidade, daqueles que verdadeiramente fazem algo pela disseminação de cultura. O conhecimento absoluto e pessoal está condenado com este novo critério editorial. Não li o artigo do Partido Comunista mas ainda assim se o desdém em relação ao projecto wikipedia está acima da correcção que possa propor ou mesmo fazer, deixe que lhe diga que ficará isolado na matéria de que é conhecedor. E só dizer mal não ajuda nada!