Carlos Abreu Amorim no Blasfémias, sobre uma memória familiar da fraude eleitoral de 1958.

 

Mourato Talhinhas escreve sobre o Alferes Delgado em Vendas Novas no rescaldo da Revolução de 1926, no Atribulações Locais , um blogue de Vendas Novas.

 

Em anexo os textos:

 

 

O PAÍS COM MEDO E O GENERAL – uma estória

 

(A história foi-me contada muitos anos depois e não o foi por nenhum dos protagonistas. Assim, pode acontecer que alguns dos pormenores não estejam correctos)

 

O meu avô plantou-se desde manhãzinha à porta do local onde estava instalada a mesa de voto. Quando chegaram os membros da Mesa encararam-no com azedume e proibiram-no de permanecer nas instalações após ter votado. Nada disso o incomodou. Rodeado de alguns amigos, o velho republicano não arredou pé da porta durante todo o dia enquanto era informado das várias diligências em relação aos alertas junto dos eleitores mais esquecidos. Cada conhecido que entrava era cumprimentado e a maioria assegurava-lhe, baixinho, que seria mais um voto garantido no General.
Pouco antes da votação encerrar o meu avô estava eufórico – tudo indicava que "os republicanos", como ele dizia, iriam ter uma vitória retumbante, muito para além do esperado.
A contagem dos votos foi feita à porta fechada e só alguns responsáveis locais da Administração Pública foram admitidos a presenciá-la. Pressentia-se a hipótese de fraude mas a diferença entre os dois candidatos parecia tão grande que qualquer tentativa de trapaça eleitoral seria demasiado escandalosa – julgavam quase todos.
Finalmente os resultados foram anunciados. Sem qualquer pingo de vergonha, o candidato da Situação foi declarado vencedor por mais de 80% dos votos.
Houve protestos, dizem-me que até algumas gargalhadas. O meu avô terá ficado tão espantado que não esboçou qualquer reacção durante 1 ou 2 minutos. Mas quando os sicários do regime (muitos transitaram, tranquilamente, a partir de 1974, para o actual) se preparavam para abandonar o local, o meu avô não resistiu e invectivou-os o mais que pôde. Assustados, os situacionistas começaram a correr rua abaixo enquanto o velho republicano era acalmado pelos amigos. Mas não chegou – a Guarda, prontamente chamada pelos serventes da União Nacional, deu-lhe voz de prisão ali mesmo. ###
Telefonaram para o meu pai que era advogado no Porto – «Venha depressa, o seu pai foi preso! Perdeu a cabeça quando viu que tinham vigarizado os resultados do General.»
O meu pai não gostou: «De que é que estavam à espera? Então não viram que foi assim pelo país todo?». Meteu-se no carro e fez o mais depressa que podia as 3 horas que distavam aqueles cento e poucos quilómetros.
Mal chegado, foi directo para a esquadra e exigiu a libertação de seu pai. O Chefe da Guarda disse-lhe que não podia ser – «Tenho ordens para o deixar aqui até amanhã ao almoço.»
Foi a vez do meu pai azedar – «Ordens de quem? Do seu superior ou da União Nacional? Não o pode ter aqui, ninguém apresentou queixa.» O diálogo foi aquecendo.
Algum tempo mais tarde o meu avô ouviu a porta da cela a abrir-se. Sorriu, aliviado, quando viu o meu pai – «É para ir embora?», perguntou confiante. «Não», respondeu o meu pai – «achei que ia ficar aqui muito sozinho e resolvi fazer-lhe companhia».
E foi assim que no dia em que o país se enxovalhou numa imunda trapaça eleitoral, o meu avô e o meu pai passaram a noite juntos na prisão.

 

O país assim continuou, amorfo, medroso, abafado, bovino. Quando os assassinos do regime mataram o General Sem Medo o meu avô já não era vivo. O meu pai ainda viveu o suficiente para ver quase todos os defeitos da antiga Situação transportarem-se, incólumes, para o actual regime. O rebanho, esse, é sempre o mesmo.

 

 

Gen. Humberto Delgado em Vendas Novas

 


Comemora-se hoje o centenário do nascimento do General Humberto da Silva Delgado com o lançamento de um selo dos CTT com o seu retrato; o lançamento do livro intitulado “Humberto Delgado e a Aviação Civil” ; e a exposição “Humberto Delgado e a Liberdade dos Céus”.

 

O ”General sem medo” quando candidato a Presidente da República no dia 14 de Maio de 1958 quando lhe perguntaram o que faria a Salazar se fosse eleito presidente, e respondeu “obviamente demito-o”, passou de um General candidato, a grande esperança da democracia em Portugal.
O seu assassínio pela PIDE em 1965, ordenado por Salazar, tornou-o um herói nacional.

 

Humberto Delgado entrou para a Escola do Exército em 1922 onde tirou o curso de Artilharia, e foi colocado na E.P.A. de Vendas Novas no final do curso.
Era Alferes em Vendas Novas, quando no dia 2 de Fevereiro de 1926 a Escola foi tomada pelos Sargentos com a ajuda e colaboração de civis vindos de Lisboa, e daqui partiram para Almada donde queriam bombardear Lisboa e fazer uma revolução, curiosamente nesse levantamento militar parece que o único ferido, acabou por ser o Alferes Delgado.

 

É essa história que vos vou contar.

 

Na madrugada de 2 de Fevereiro de 1926 os 2º Sargentos de Artilharia da E.P.A. amotinaram-se sob o comando do 2º Sarg. Sebastião Pauleta. Prenderam os oficiais que pernoitavam na Escola, formaram bateria e marcharam com destino a Almada donde se propunham bombardear Lisboa.
Esta tentativa de golpe de Estado destinava-se a entregar o poder à Esquerda Radical, numa repetição do movimento de Outubro de 1925, e que tal como ele foi um fracasso.
Por ordem do Ministro da Marinha o Maj. Crespo Júnior e as tropas por si comandadas dominaram o golpe e procederam à prisão dos cabecilhas que ficaram a aguardar transferência para os Açores.

 

O movimento revoltoso da madrugada de 2 de Fevereiro foi consequência da instabilidade política que o país atravessava, e muito particularmente da insatisfação dos militares.
Recorda-se que nos dias 17, 18 e 19 de Janeiro do mesmo ano, decorrera na Universidade de Coimbra o congresso dos Mutilados Portugueses da Grande Guerra sob a presidência do Reitor Prof. Dr. Henrique de Vilhena.
Os congressistas fizeram ouvir as suas queixas e criticaram fortemente a Administração Pública, por, passados oito anos desde o final da Grande Guerra (1914/18), não serem pagas as pensões a tempo e horas, nem serem tidos em consideração os sacrifícios que esses militares fizeram para com a Pátria. Os congressistas mostraram ainda o seu descontentamento para com os políticos por considerarem que na sua maioria degradavam os princípios da autoridade do Estado.
No final do congresso foi descerrada uma lápide de homenagem aos estudantes mortos em África e na Flandres.
Recorda-se ainda que na véspera deste golpe os Monárquicos e muitos Republicanos conservadores encheram a igreja de S. Domingos em Lisboa numa cerimónia evocativa da morte do rei D. Carlos e do príncipe D. Luís Filipe assassinados no Terreiro do Paço.

 

Os Sargentos da Escola foram aliciados por dois membros do Partido Radical, o jornalista João Augusto da Silva Martins Júnior, director do semanário “O Libertador” e pelo Dr. Lacerda de Almeida, ex-Ministro da Instrução.
O movimento revoltoso contou ainda com o apoio de alguns populares que controlaram os acessos à vila e às casas dos oficiais que moravam no Polígono e na parada das colónias (hoje Bernardo Faria).
O Comandante da E.P.A., Coronel Reis Fisher só conseguiu entrar no quartel após a saída dos revoltosos, não o podendo fazer antes por ter sido impedido pelos populares armados que cercaram a sua casa.

 

Tudo começou cerca das duas horas da madrugada.
Os 2º Sargentos Sebastião Pauleta, Monteiro, Espadinha e Figueiredo Amaral, em conluio com alguns civis e o apoio da maioria dos sarg. da Escola, apoderaram-se do aquartelamento e montaram cerco às casas dos oficiais por forma a impedir a sua reacção e oposição ao movimento revolucionário.
Seguidamente acordaram as praças e formaram a bateria que seguiu de comboio até ao Barreiro indo ocupar posição em Almada virados para Lisboa.

 

O Tenente Trindade, oficial de dia à Escola, foi acordado cerca das três horas da madrugada, pelo cabo da guarda. Ao aperceber-se que algo de anormal se passava no interior do aquartelamento e vendo civis armados na área da "casa da guarda", saiu do gabinete pela porta que dá para a parada exterior. Foi de imediato assaltado por um civil armado que o tentou prender, lutaram corpo a corpo e o Tem. Trindade conseguiu desarmar o assaltante.
Não sabendo concretamente o que se passava tentou dar a volta ao quartel para ir entrar pelo portão da "parada das colónias". Ao passar frente à secretaria foi alvejado por tiros vindos da "porta de armas", reagiu fazendo fogo com a arma que tinha apreendido. Após esgotar as munições e vendo-se desarmado e impotente de entrar no "quartel" dirigiu-se para casa do seu cunhado, Sr, Risques, que morava frente ao quartel afim de lhe pedir uma arma. Dado o tiroteio constante ficou acoitado em casa do seu cunhado e só regressou ao quartel após a saída dos revoltosos e o levantamento do cerco.

 

Pelas três e um quarto da madrugada os oficiais que dormiam nos quartos das instalações do edifício principal, foram acordados e presos por civis armados que penetraram nos mesmos, eram os Alferes Nascimento, Fontes, Costa, Castelão e Humberto Delgado.

 

Ao ser levado para a prisão e quando passava frente à bateria que se encontrava formada para sair, o Alf. Delgado tentou ainda falar com as praças na tentativa de os demover de aderirem à revolução. Por esse motivo foi alvejado a tiro e recolheu ferido à prisão do quartel. Não foi de imediato socorrido pois o Capitão Médico Enes Ferreira estava em diligência em Lisboa.

 

Os oficiais que habitavam com as suas famílias no bairro da Parada das Colónias só se aperceberam do que se passava pouco depois das quatro da madrugada ao acordarem com o barulho do tiroteio. Não conseguiram voltar para o quartel pois sempre que pretendiam sair de casa eram alvejados do exterior pelos civis que tinham montado guarda às suas casas, quer pela frente e que dão para a Parada das Colónias, quer pelos quintais da retaguarda. Também só conseguiram voltar ao quartel após a saída dos revoltosos.

 

As tropas revoltosas arrombaram as portas dos depósitos de material de guerra e de forragens donde levaram o seguinte material:

 

Pão alvo 150 Kg
Bacalhau 146 Kg.
Toucinho 150 Kg.
Grão de munição 720 rações
Fava 1122 Kg.
Aveia 240 Kg.

 

Fontes consultadas:
História de Portugal….Dr. Borges Coelho
Relatório da ocorrência…Cor Reis Fisher

 

Mourato Talhinhas
MouTal

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