
(Fotografia inédita do arquivo JPP)
Vila Franca recriou Passeios de Alves Redol- Quando a luta política era planeada no barco
O regresso ao Tejo a bordo do barco varino Liberdade tem um significado muito profundo para António Dias Lourenço. O comunista, que foi um dos melhores amigos de Álvaro Cunhal com quem combateu o fascismo, tem 93 anos, e foi um dos cerca de 40 convidados para o passeio de Redol no sábado. A iniciativa, organizada pela Cooperativa Alves Redol e pela Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira, pretende recriar os passeios organizados pelo escritor e divulgar as potencialidades existentes e a oportunidade do turismo cultural.
Os convívios juntavam um grupo de intelectuais que preparavam a luta contra a ditadura e traçavam os caminhos da Liberdade. Soeiro Pereira Gomes escreveu que no Verão de 1941, Alves Redol o convidou para um passeio no Tejo com vários escritores e a bordo de um barco. Curiosamente a embarcação também se chamava Liberdade. Tinha uma bandeira a dizer Liberdade e a palavra também aparecia escrita na madeira, recorda António Redol, filho do autor de Avieiros e Gaibéus.
Segundo os relatos e as fotos obtidas pelos amigos de Redol, estiveram nestes passeios vários colaboradores do Jornal O Diabo que tinha sido encerrado pela polícia política (PIDE) meses antes. Bento de Jesus Caraça, Manuel da Fonseca, Sidónio Muralha e outras figuras das letras e das ciências também se juntavam no Liberdade para conversar à vontade e longe dos olhares da PIDE. Sou o único vivo dos que vieram aos primeiros passeios. Já morreram todos. O último foi o meu camarada Álvaro Cunhal, diz Dias Lourenço
Hoje sou o último dos prisioneiros políticos com mais anos de cadeia, acrescenta orgulhoso. Dias Lourenço, é uma figura de sempre do partido comunista e ficou associado à famosa fuga de Álvaro Cunhal e um conjunto de presos políticos do Forte de Peniche.
Dos passeios no barco Liberdade lembra os textos lidos a bordo, os petiscos, os copos bebidos e o trabalho desenvolvido na luta por um país melhor. Procuramos formas de combater a ofensiva fascista que tentava esmagar o povo português, refere. António de Oliveira Salazar tomou o leme do Estado em 1932 e silenciou os partidos políticos. Todo o trabalho partidário passou a ser feito na clandestinidade e muitas vezes na prisão. Foi um desafio permanente às garras da PIDE. Aqui tínhamos alguma segurança de que não havia um PIDE por perto, explica Dias Lourenço.
O velho comunista tem uma vontade enorme de falar e de deixar aos que o sucedem testemunhos de uma vida. Dias Lourenço lembra com saudade o dia em que com Miguel Torga e Alves Redol atravessou a fronteira num pequeno barco e foi até aos arredores de Madrid. Decorria a Guerra Civil Espanhola e os três homens subitamente começaram a cantar a Internacional. Carago nunca pensei cantar a Internacional em voz alta, disse Miguel Torga. Esqueceu-se que estávamos em Espanha, acrescenta Dias Lourenço.
O passeio de barco entre o cais de Vila Franca de Xira e a Vala do Carregado é acompanhado por um vinho licoroso da Companhia das Lezírias e é aproveitado para colocar a conversa em dia. A bordo vai o matador de toiros Mário Coelho, a viúva do embaixador e escritor Álvaro Guerra, professores de português e quase quatro dezenas de admiradores da escrita de Redol. Faz-se silêncio cada vez que Ana Sofia, uma jovem envergando uma boina negra semelhante à de Redol, dá voz a pequenos textos do autor.
Começavam a assar as sardinhas, das bem salpicadas como gostavam…o Zé Romualdo na paródia até disse:da cabeça ao rabo é tudo peixe, lê-se em Muro Branco de Alves Redol. E para o programa ser completo o almoço no parque de merendas da Vala do Carregado também foi sardinhas, pimentos e bom vinho tinto.
A viagem é para repetir. A Cooperativa Alves Redol e a junta de freguesia querem alargar esta parceria. Uma pastelaria de Vila Franca de Xira está a produzir os sonhos, um doce que deverá ter um nome associado a Redol e ser comercializado com a marca registada e numa embalagem acompanhada de um texto de Redol.
Nelson Silva Lopes