PAULO GUINOTE – A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO (NOVEMBRO) DE 1917 NOS JORNAIS PORTUGUESES : A SURPRESA ANUNCIADA

Nota – Excerto de um estudo de Paulo Guinote sobre o impacto da Revolução Russa na opinião publicada em Portugal em 1917-18, trabalho esse desenvolvido num seminário do Mestrado de História do século XX da FCSH da Universidade Nova. O trabalho permanece praticamente inédito e a publicação deste excerto foi autorizada pelo autor

“EM PETROGRADO, OS MAXIMALISTAS AGITAM-SE”
(Diário de Notícias, 8/Nov/17, 1)

“Mais um Movimento Revolucionario na Russia”
(Seculo, 9/Nov/17, 2)

“PETROGRADO NAS MÃOS DOS MAXIMALISTAS”
(Diário de Notícias, 9/Nov/17, 1)

“A situação na Russia
A Revolução Maximalista”
(Republica, 10/Nov/17, 1)

“A RUSSIA PEDE A PAZ”
(Diário de Notícias- Funchal, 11/Nov/17, 1)

Quer pela sua natureza, quer pela sua relativa previsibilidade, os acontecimentos revolucionários de Outubro (Novembro no Ocidente), ocuparam um espaço mais reduzido nos títulos dos periódicos portugueses do que a deposição do Czar em Fevereiro. Por um lado, em Fevereiro, apesar de algumas dúvidas iniciais, os factos pareciam apontar para um reforço da posição dos Aliados, por outro, a surpresa de Outubro era apenas relativa, não constituindo um fenómeno absolutamente imprevisto.

As características da insurreição maximalista contra o Governo Provisório de Kerensky eram conhecidas a priori, assim como as suas motivaçes e objectivos – negociar a paz com os Impéérios Centrais e proceder a um radical e perigoso, mas ainda não muito bem compreendido, programa de reorganização económico-social da nação russa. O debate que a indesejada, mas aparentemente inevitável, tomada do poder pelos bolcheviques estava em condições de suscitar, centrava-se nas suas possibilidades de permanência e nas capacidades de realinhamento e reagrupamento de todos aqueles que se lhe opunham e pretendiam restaurar um poder firme na Rússia. Lateralmente, não em termos de debate, mas mais de constatação progressiva, surgiram também os comentários sobre as consequências internas e externas das medidas que o novo poder executivo ia implementando com acentuada rapidez num império russo em acelerada desagregação.

Quanto ao primeiro ponto, a esperança de vida do novo regime não aparentava sinais particularmente animadores. As diversas frentes de oposição aos maximalistas, se não se tinham entendido nos tempos anteriores de maneira a evitar a nova movimentação revolucionária, pelo menos pareciam apostados em a abafar de forma rápida. Disso dariam prova os títulos do Diário de Notícias nas semanas seguintes. De entre as quase três dezenas de títulos principais incluídos nas edições que se sucederam dos primeiros dias de Novembro até final do ano, cerca de metade retrataram a situação como sendo de resultado imprevisível ou desfavorável para os maximalistas. Enquanto apenas cerca de 5 ou 6 davam conta de sucessos para os novos senhores de Petrogrado, a maior parte dos restantes títulos estavam relacionados com as negociações de paz entre a Rússia e a Alemanha.

O noticiário sobre o alastramento da guerra civil no Diário de Notícias foi quase diário e os títulos sucederam-se de forma pouco favorável à estabilidade do novo poder:

“Kerenski marcha sobre Petrogrado” (12/Nov)

“Os Maximalistas Começam a Perder Terreno” (13/Nov)

“Na Russia, Kaledine Propõe-se Restaurar a Monarquia” (21/Nov)

“Na Russia, os Ingleses e Japoneses Auxiliam a Contra-Revolução” (15/Dez)

“Petrogrado Saqueada pelas Tropas” (17/Dez)

“Na Russia a Guerra Civil Continua Encarniçada” (19/Dez)

“A Ukrania Aceita a Guerra com os Maximalistas” (22/Dez)

Contra isto, apenas as referências a vitórias maximalistas em recontros com as forças de Kerensky (18/Dez) e com os Cossacos (16/Dez), e o anúncio de vitória nas eleições (1/Dez), permitiram algumas expectativas mais favoráveis.

No Seculo, embora o assunto não merecesse tanto destaque em termos de monopolização dos principais títulos de primeira página, a sensação transmitida não era muito diversa. Aqui, era em Kerensky que se depositavam as esperançças. No dia 12, na segunda página, perguntava-se se “Kerensky vae dominar, pelas armas, a revolta?”. No dia seguinte, declarava-se que “O GOLPE MAXIMALISTA Parece que Falhar Completamente”. Nos dias seguintes, procurar-se-ia tranquilizar a opinião pública. “Parece Estar, de Facto, Restabelecido o Governo de Kerensky” (Seculo, 14/Nov/17, 2). No entanto, isso não acontecia e, dois dias depois, é que “Parece que, efectivamente, Kerensky vencerá “. O poder continuava com os maximalistas e, assim, a situção na Rússia passava por “angustiosa” (18/Nov, 2), de “catastrofe” (25/Nov, 2), “tragica” (26/Nov, 1), “de mal a peor” (27/Nov e 1/Dez, 1), de “derrocada” (15/Dez, 2) ou “cada vez mais embaraçada” (16/Dez, 2).

Os evolucionistas do Republica não andavam muito longe deste tipo de vocabulário, apenas introduzindo a anteceder os comentários e noticiários sobre a Rússia, o título de “No Vulcão Russo” (12, 13, 14, 16, 30/Nov e 6 e 16/Dez). Quanto ao resto, cruzavam-se interrogações sobre o futuro da Rússia e dos seus principais dirigentes, do presente e dum passado mais ou menos proximo:

“Para Onde Vai a Russia ?” (14/Nov, 3)

“KERENSKY ? LENINE ? NICOLAU II ?” (16/Nov, 1)

“Na Russia
A GUERRA CIVIL
Quem vence ?” (17/Nov, 1)

“DUKHONINE ? LENINE ?
Quem Ganhar a Nova Partida ?” (6/Dez, 3)

A Lucta, por seu lado, optaria por ignorar praticamente por completo nos seus títulos mais destacados a reviravolta do poder a Leste, enquanto O Mundo também evitava títulos particularmente dramáticos. Pelo lado dos Democráticos, só A Manhã se pronunciaria com maior detalhe, expressando as dúvidas gerais:

“Da Russia, [é] ponto claro, que o maximalismo derrubou o governo e obrigou o Parlamento a pôr ponto final. O Soviet Central põs-se ao lado da nova revolução. Houve pouco sangue e, em facil triunfo, o Soviet cantou vitoria em toda a Russia. Isto é simples. Que é feito do governo ? Está preso. Que é feito de Kerensky ? Não está ainda bem patente se conseguiu evadir-se. Incontestavel é que a vitoria dos maximalistas foi em Petrogrado, Moscou e Cronstad. Que pensa o resto da grande Russia do triunfo das esquerdas ? Vamos para a paz em separado ? – Tudo o leva a crer…” (A Manhã, 12/Nov/17, 1)

Os acontecimentos eram negativos, havia que os combater, mas não parecia ser medida muito acertada publicitá-los exageradamente. Os jornais mais informativos mostravam-se, desta forma, bastante mais expressivos do que os periódicos com uma conotação política mais claramente definida. Na província, os títulos tambem eram menos lestos a surgir do que em Fevereiro e os artigos de opinião em quantidade bem menor. Do lado dos monárquicos, a previsão também ese mostrava pouco animadora quanto à resistência dos novos líderes revolucionários:

“Temos, pois, os Soviets no poleiro e manda Lenine ! Mais um heroe de barro, que a multidão, eterna criança, amanhã ha de rachar de meio a meio e atirar para o caixote do lixo.
São favas contadas !” (O Liberal, 10/Nov/17, 2)

O Mundo não andaria muito afastado desta leitura. Quanto à transitoriedade do poder maximalista, por uma rara ocasião, os monárquicos tradicionalistas e os republicanos democráticos, coincidiam nas suas análises e previsões.

“E desta crise provocada pelos que não se contentavam com a Republica democratica, que iria realizando gradualmente as reformas sociais, sairá por certo o ditador que sufocar em sangue as manifestações e organizar violentamente o Estado, com os meios liberticidas constuindo um edificio novo, que ser necessario destruir outra vez.” (O Mundo, 22/Nov/17, 1)

Para Brito Camacho, era a própria Rússia que via a sua desarticulação consumada, sendo duvidoso que qualquer poder que, eventualmente, viesse a substituir os maximalistas, pudesse reconstituir a unidade perdida.

“Se ao menos a Russia conservasse a sua unidade nacional; aquela violenta, despotica e arbitraria, que o czarismo mantinha, tornou-se culpad[a] dos maiores crimes politicos !
Mas não; a Russia é um grande, imenso organismo que se desarticulou, e quer-nos parecer que não será possivel, já agora, restitui-lo á primitiva forma, isto é, dar-lhe a unidade que tinha, embora essa unidade fosse de todo o ponto artificial.” (A Lucta, 27/Nov/17, 1)

O único factor positivo da revolução bolchevique para a imprensa republicana parecia ser a recomposição, forçada pelas circunstâncias, das fileiras que se opunham à acção dos bolcheviques, principalmente na questão da guerra e da paz. Passam a ser comuns, de novo, as associações entre os nomes de Kerensky e Korniloff, agora, em algumas situações, também relacionados com Kaledine, o novo etman dos Cossacos.

Embora a verdade dos factos não fosse propriamente essa, os boatos espalhados na imprensa internacional chegavam a Portugal, em segunda ou terceira via, mesmo através do respeitado Diário de Noticias:

“Londres, 14 – Dizem de Stockolmo, em data de ontem, ás 16 horas, que a agencia telegrafica da Finlandia noticia que o sr. Kerenski é actualmente senhor de Petrogrado que está quase toda em seu poder.
Moscow é a sede do governo provisorio.
Os jornais russos e finlandeses anunciam o proximo fim do movimento «bolchevik».
Toda a Russia, à excepção duma pequena parte de Petrogrado, está agora nas mãos do governo.
O general Kaledine, «etman» dos cosacos, é ditador no sul da Russia e as ordens do governo são assinadas por Kerenski, Kornilof e Kaledine.” (Diário de Notícias, 15/Nov/17;1)

Esta união, que no plano da acção concreta nunca chegou verdadeiramentwe a existir, parecia assegurar que o sucesso bolchevique seria um fenómeno efémero. Mesmo Rosa Luxemburgo, em carta à sua amiga Martha Rosenbaum, apesar do seu entusiamo, não acalentava muitas expectativas quanto à duração da experiência que se vivia na Rússia:

“Há mais ou menos uma semana que todos os meus pensamentos estão, naturalmente, em Petersburgo. Todas as manhãs e todas as noites agarro com impaciência os jornais que me chegam, mas as notícias que trazem são infelizmente escassas e contraditorias. Convém não contar com um êxito duradouro [dos revolucionários russos], mas em todo o caso a tentativa de tomar o poder na Rússia é, já em si, uma bofetada em plena face dos nossos sociais-democratas e de toda a sonolenta Internacional.” (Luxemburgo, 1976, 267)

Mas, ao defenderem princípios pacifistas e ao serem normalmente considerados como agentes ao serviço dos alemães, os chefes maximalistas tinham outro perigo a recear e com o qual a imprensa acenava insistentemente: a intervenção dos Aliados no seu território como forma de pressão sobre o novo executivo russo.
O Japão, a Inglaterra e os Estados Unidos perfilavam-se como os agentes de tal intervenção. Em 30 de Novembro, no Republica, à pergunta se “A ENTENTE VAI INTERVIR” no vulcão russo, “Diz-se que sim”. Vladivostock parecia ser um dos pontos preferidos para a intervenção. Em 13 de Dezembro, o Diário de Noticias afirma que serão os japoneses a entrar em acção, enquanto a 16, na opinião do Seculo, parecem ser os norte-americanos os protagonistas. Ao mesmo tempo, as notícias sobre a guerra civil alastram, com o anúncio do separatismo da Ucrânia, da Crimeia e a revolta armada dos Cossacos. A Rússia parecia entregue a uma desordem sem fim. Não faltava mesmo quem atribuisse aos maximalistas intenções de restauração da Monarquia, sublinhando as semelhanças entre os extremos aparentemente opostos (O Mundo, 23/Nov/17, 1) e chamando contra-revolucionárias às intenções de Lenine:

“Produziram-se nas ultimas semanas graves acontecimentos susceptiveis de modificar a situação internacional, quer sob o ponto de vista militar, quer sob o ponto de vista politico.
Na Russia, um movimento contra-revolucionario chefiado por Lenine, o «patriota» ao serviço da Alemanha, veiu lançar uma pertubação ainda mais profunda na grave anarquia que já reinava em todo o territorio moscovita.” (Distrito d’Aveiro, 25/Nov/17, 1)

Nas páginas d’ O Trafaria, as palavras eram semelhantes. Lenine, agente alemão, encabeçava um movimento contra-revolucionário que se destinava a vender os interesses russos às potências centrais. Em virtude disso, e perante a permanência dos bolcheviques no poder, aparentemente em condições de resistir às oposições internas e externas, restava, em Março de 1918, utilizar o exemplo russo da única maneira em que ainda podia ser algo útil para consumo interno: como forma de exemplificar o que o pacifismo e as excessivas pretensões sociais dos revolucionários mais exaltados podiam provocar. Seria essa, afinal, a lição a extrair da evolução do que fora o “cataclysmo russo” (A Verdade, 12/Dez/17, 1):

“Operarios de Portugal olhai a lição russa ! Cautela ! Não é a primeira vez que o inimigo faz dos grandes principios um uso, pelos seus efeitos, análogo ao dos gases asfixiantes das granadas peçonhentas. Cautela ! Ha sugestões que matam e a russa é uma delas ! (…) Operários de Portugal, olhai a lição russa ! Há sugestões que matam e a maximalista é uma delas.” (A Fronteira, 3/Mar/18, 1)

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