José Manuel Lopes Cordeiro – ORIGENS DO PCP NO PORTO

José Manuel Lopes Cordeiro , “As Origens do PCP no Porto” , Público , 11 de Março de 2001

Como foi amplamente noticiado, comemorou-se na semana passada o octogésimo aniversário da fundação do Partido Comunista Português, ocorrida em Lisboa, a 6 de Março de 1921. O maior ou menor desenvolvimento que essas abordagens históricas registaram não contemplou, tanto quanto tivemos oportunidade de constatar, o processo que conduziu à formação do PCP no Porto, razão pela
qual a iremos abordar nesta “Memória da Cidade”.
Uma das raras fontes disponíveis para se conhecer um pouco da história do PCP no Porto deve-se a José da Silva, operário sapateiro, que foi um dos protagonistas desse processo. Esse relato autobiográfico deu origem a um livro, em dois volumes, publicado no início dos anos 70 por uma das mais curiosas editoras portuguesas, a Livraria Júlio Brandão, de V. N. de Famalicão. As origens do PCP no Porto remontam a meados de 1920 quando, numa agitada reunião efectuada no Centro Comunista Libertário – com sede na Rua de Entreparedes, nº 33 -, vários dos presentes abandonaram a sala, no seguimento de uma acalorada discussão em que os dois grupos em que, entretanto, os presentes se tinham dividido se injuriavam mutuamente. À frente do grupo que abandonara a reunião encontrava-se o operário Manuel Ferreira Torres, manufactor de calçado, um ex-simpatizante anarquista que se tinha entusiasmado com a revolução russa de 1917, e que, no Porto, era o mais entusiasta difusor do jornal “Bandeira Vermelha”, publicado em Lisboa pela Federação Maximalista Portuguesa.
No seguimento dessa reunião, constituiu-se nesse ano de 1920, e em torno de Manuel Ferreira Torres, um núcleo de operários que formou o primeiro agrupamento de carácter marxista, o qual adoptou a denominação de Centro Comunista do Porto. Dois anos mais tarde, em Dezembro de 1922, alguns sindicalistas do Porto, que, no III Congresso Operário Nacional, realizado em Outubro desse ano na Covilhã, se tinham manifestado a favor da Internacional Sindical Vermelha (ISV), foram contactados por Abílio A. Lima, do sindicato dos arsenalistas de marinha, de Lisboa, informando-os de que os simpatizantes da ISV da capital se tinham associado num agrupamento denominado “Núcleo Sindicalista Revolucionário” (NSR), cujos objectivos eram os de levar os seus membros a constituírem “fracções sindicais” de partidários da ISV dentro dos sindicatos onde dominassem os libertários.
Abílio A. Lima trazia também como missão encontrar no Porto, no seio dos “sindicalistas revolucionários”, alguém que se dispusesse a desempenhar as funções de correspondente de um novo jornal, denominado “A Internacional”, que se iria publicar em Lisboa -cujo primeiro número sairá a 3 de Novembro de 1923 -, com o objectivo de divulgar os princípios sindicalistas da ISV. A tarefa irá recair sobre José da Silva, que, em simultâneo, passou a desempenhar também o cargo de secretário-geral do NSR, entretanto constituído, com sede na Rua do Bonjardim.

A PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO PARTIDÁRIA

Entretanto, em meados de 1921, no seguimento da dissolução da Federação Maximalista em Dezembro de 1920 e da posterior fundação do PCP, Manuel Ferreira Torres iniciará um processo que desembocará na criação da primeira organização partidária comunista na Cidade Invicta, a qual substituirá o Centro Comunista do Porto. Entre os elementos que a constituíam, para além de Manuel Ferreira Torres e José da Silva, contavam-se Salvaterra Júnior, cinzelador de profissão e “apreciado poeta” (de acordo com José da Silva), que, no I Congresso do PCP, em Novembro de 1923, será eleito para o Comité Central, Henrique Fernandes, alfaiate, Aurélio da Cunha Guimarães, comerciante, Domingos Ferreira Fontes, pintor, Aníbal Barbosa Cardoso, empregado comercial, e Apolino Aragão, entre outros.
Este primeiro núcleo de comunistas portuenses irá revelar-se, contudo, incapaz de manter entre si a necessária unidade e coesão, pelo que, ainda de acordo com José da Silva, a breve prazo surgem insanáveis divergências, motivadas por diferentes interpretações sobre a orientação a seguir. Estas diziam respeito à aplicação das resoluções adoptadas no IV Congresso da Internacional Comunista (IC), onde uma delegação do PCP tinha participado, e do qual tinha regressado com fortes intuitos “depuradores”. Aliás, uma situação idêntica registou-se em Lisboa, pelo que foi necessário convocar uma conferência de militantes, realizada em 4 de Março de 1923, da qual saiu um novo Comité Central, que, de depuração em depuração, acabou por suspender a actividade do PCP até à intervenção da IC. Entretanto, os militantes que tinham sido “depurados”, dirigidos por José Carlos Rates, darão continuidade ao trabalho, reconstituindo o partido.
Em Agosto de 1923, perante esta situação, Jules Humbert-Droz – o delegado que a IC tinha enviado a Portugal para resolver os problemas da sua Secção Portuguesa – decide apoiar o grupo de Rates e convocar um congresso constitutivo do PCP para Novembro desse ano. A influência de Droz irá ser decisiva, nomeadamente no apoio a Rates, o que, mais tarde, mereceu a Bento Gonçalves a apreciação de que formavam um “duo irresponsável e grotesco”, e que, “com uma acertada vigilância de classe, não era difícil fixá-los como oportunistas sem vergonha”. Nesse congresso, em que os militantes do Porto foram representados por Salvaterra Júnior e Aurélio da Cunha Guimarães, são aplicadas várias sanções – desde a suspensão até à irradiação -, sendo particularmente afectada a Comuna do Porto, dado que a Américo Antelo, António Sales, Apolino Aragão, Domingos Ferreira Fontes e Aníbal Barbosa Cardoso irá ser aplicada a pena de suspensão, e a Henrique Fernandes a irradiação do partido.
Após o I Congresso, a organização do PCP no Porto ficou sob a responsabilidade de Manuel Ferreira Torres, embora extremamente debilitada. Como refere José da Silva, sua simpatia e prestígio “não eram o bastante para fazer andar para a frente a organização comunista do Porto”, salientando, entre outros aspectos, que “nunca se tentou dar ao partido uma sede”, sendo “quase sempre o local escolhido para troca de impressões o café ‘Águia d’Ouro’, e era mesmo aí que, de vez em quando, se redigia uma notícia para os jornais destinada aos seus filiados”. Valerá ao PCP o prestígio e a influência entretanto adquiridos por José da Silva – que, em Dezembro de 1923, tinha sido eleito secretário-geral do Sindicato dos Manufactores de Calçado, que, assim, foi conquistado para a orientação do sindicalismo revolucionário. Em meados de 1924, numa reunião dos filiados no NSR, José da Silva propõe a sua integração nas fileiras do PCP, que é aceite, ao mesmo tempo que aquele era dissolvido. “E foi assim que o PCP, de uma assentada, foi reforçado com cerca de setenta novos membros, 95 por cento dos quais eram operários”, ressalta José da Silva.

PAREDES-MEIAS COM O CAPITAL

A primeira consequência da entrada dos sindicalistas revolucionários para o PCP foi a debandada de Manuel Ferreira Torres e do seu grupo de amigos, que José da Silva explica pelo facto de, verdadeiramente, nunca terem sido comunistas, e estarem “ainda muito presos à cepa de que eram oriundos – o anarquismo”. À frente do PCP no Porto, José da Silva irá imprimir-lhe uma nova orientação, mais actuante, tanto no domínio sindical como no político. A direcção era agora composta por António de Carvalho, operário alfaiate, Anastácio Gonçalves Ramos, metalúrgico, António Nunes, chefe de armazém, e José Moutinho, empregado de escritório.
No entanto, dispunha ainda de um número reduzido de membros que pagavam uma quota mensal de um escudo – o que impossibilitava a resolução de um velho problema, o da inexistência de uma sede, dado não haver receitas suficientes para assegurar o respectivo aluguer. Só existia uma solução, o de aumentar o número de filiados, tarefa que foi resolutamente levada a efeito, e, em menos de dois meses, o PCP portuense contava com 400 militantes, possibilitando o aluguer de uma sala para a primeira sede do partido, nas traseiras do segundo andar do nº 69 da Avenida dos Aliados, num prédio cuja frontaria era ocupada pelo Banco Espírito Santo. A reorganização do PCP portuense contou ainda com um outro momento alto, na Primavera de 1925, com a criação do seu primeiro órgão regional, o mensário “A Bandeira Vermelha”.
Não obstante ter registado inúmeras dificuldades nos anos de 1925 e de 1926, a organização portuense do PCP conheceu um razoável desenvolvimento. Em breve, a sede da Avenida dos Aliados mostrou-se insuficiente para as necessidades partidárias, pelo que foi necessário alugar novas instalações, um segundo andar do nº 196 da Rua de Trás, onde se situava a entrada, mas cuja frente dava para a Torre dos Clérigos.
O 2º Congresso do PCP, realizado em 29 e 30 de Maio de 1926 – nos dias seguintes à revolta militar que abrirá caminho ao regime do Estado Novo -, contou com a participação de sete delegados portuenses – José da Silva, António de Carvalho, Anastácio Ramos, Manuel João, Moreira Gomes, Saint Martin e José Moutinho – e, entre várias resoluções, louvou o trabalho político e sindical realizado pelo Comité Regional do Norte, tendo José da Silva presidido à Segunda Sessão dos trabalhos. No entanto, o PCP saiu desse congresso sem uma clara orientação para fazer face à situação resultante do golpe militar do 28 de Maio, o que conduziu à sua participação em várias tentativas de “putshs” contra a ditadura militar que se tinha instalado no país, organizados pelos diversos sectores republicanos.
É o caso do frustrado golpe do 3 de Fevereiro de 1927, no Porto, que contou com a contribuição de 200 militantes do PCP, no seguimento do qual a sua sede foi encerrada, parte dos seus membros foi presa, tendo os dirigentes locais sido obrigados a dispersarem-se pela província ou forçados a emigrar. A partir de então, a actividade do PCP no Porto e no país praticamente desaparece. Será necessário aguardar por 1929, para Bento Gonçalves encetar uma profunda reorganização. Mas essa é já uma outra história.

(Reproduzido com autorização do autor )

One comment

  1. gabriel rui

    Não é um comentário, é um pedido de ajuda. Não consigo encontrar informação sobre a composição da delegação portuguesa ao V congresso da IC. Pode ajudar-me? Obrigado.

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